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  • Foto do escritorAna Cândida

Entrevista com o autor: Franklin Teixeira

Visão Noturna se consagra como uma leitura necessária e aborda o lado emocional do terror


Representatividade. Terror. Sentimentos. Essas três palavras resumem Visão Noturna, romance de Franklin Teixeira publicado este ano pela editora Intrínseca. A trama segue dois amigos, Theo e Yuri, tentando desvendar um mistério na região serrana do Rio de Janeiro enquanto enfrentam os sentimentos que nutrem um pelo outro. Sucesso na 40ª Bienal do Livro, a obra aborda o “terror queer”, gênero presente em clássicos do cinema, como The Rocky Horror Picture Show, e que vem se popularizando. Misturando elementos das culturas brasileira e norte-americana, o livro se destaca pela narrativa envolvente e pelos personagens humanos, permitindo que os leitores se identifiquem com a história.


Franklin Teixeira, ou autodenominado “escritor boiola” - segundo a sua bio no Instagram - , cresceu no Rio de Janeiro e aos 38 anos afirma que a literatura fez parte da sua vida desde a infância, como um lugar de aprendizado, diversão e conforto. Porém, a decisão de se tornar um escritor veio apenas em meados de 2011. Com diversos livros escritos de maneira independente, Visão Noturna é seu primeiro livro publicado por uma editora. Em entrevista ao UerjViu, o autor debateu sobre o mercado editorial, política presente no livro e a presença da comunidade LGBTQIAP+ dentro do terror. Além disso, Franklin também destacou a importância do apoio que recebeu durante o processo de desenvolvimento do livro. 


Franklin Teixeira, autor de Visão Noturna (Reprodução: Amazon)


Visão Noturna é o seu primeiro livro publicado pela Intrínseca. Como ocorreu o processo de criação e escrita até chegar na publicação do livro?


Depois de publicar Verdades Invisíveis (meu primeiro romance de ficção, lançado de forma independente em 2017), eu decidi que o próximo livro que terminasse seria para ser especificamente publicado por meios tradicionais. No mesmo ano de 2017 eu havia conhecido outros autores do meio editorial, e comecei a entender melhor o mercado, buscando formas de acesso e de agenciamento. A ideia para Visão Noturna surgiu em 2015, e eu já havia começado a escrever o que seria a primeira versão do livro em meados de 2016. Nos anos seguintes eu continuei polindo o livro, levando em consideração o feedback dos leitores betas e de amigos.


No ano de 2020, comecei a ser agenciado pela minha agente, Mia Roman. Depois que começamos a trabalhar juntos, oferecemos o manuscrito para a Intrínseca, que se interessou em comprar o livro para publicação. Fechamos o contrato em 2022, e o livro foi editado e publicado em 2023. A equipe da intrínseca entendeu muito bem o texto, ajudando-o a ficar cada vez melhor.


Você esteve presente na 40ª Bienal do Livro no Rio e realizou sessão de autógrafos. Como foi essa experiência?


No começo, a animação se misturou com bastante ansiedade. Lançar um livro dessa maneira e nessa escala foi diferente de tudo o que eu já tinha feito antes, e a Bienal por si só é um evento cheio de complexidades. No dia do lançamento, aprendi bastante sobre comunicação com potenciais leitores, e graças a todo o apoio que recebi —  da minha agente, dos meus amigos e da equipe da editora — consegui relaxar. Depois das dificuldades iniciais, curti muito esse contato direto com as pessoas. Foi  muito bom e edificante, e sinto que evoluí não só como profissional, mas também como pessoa.


Apesar da expressão “Não julgue um livro pela capa” ser popular, sabemos que a capa é responsável por transmitir a ideia do conteúdo e atrair o leitor de imediato. Como foi o processo de escolha da arte da capa de Visão Noturna?


A capa foi um trabalho em conjunto que deu muito certo devido ao pessoal da editora entender de cara a atmosfera do livro. Já no documento inicial com as propostas, as referências e as ideias eram todas bem compatíveis com o tipo de coisa que eu gosto e que eu achava que combinava. Da lista de ilustradores nacionais que me foi sugerida, optei pelo Shiko, que achei ter o estilo que mais se encaixava com o que estávamos procurando. Já no primeiro rascunho ele acertou demais a proposta, e a partir daí foi só questão de ajustar detalhes até chegar à versão final. Todos os envolvidos nas decisões estavam bastante alinhados!


Capa de Visão Noturna (Reprodução: Editora Intrínseca)


Em "Visão Noturna", os protagonistas têm um canal no YouTube sobre mistérios. Isso cria uma conexão com a realidade dos leitores, que já tiveram contato com esses canais. Como essa escolha criativa aconteceu?


Curiosamente, a inspiração para o trabalho de Theo e Yuri é bastante antiga: o filme A Bruxa de Blair, de 1999. O filme também trata de jovens investigando um mistério sobrenatural para um documentário, mas na época não estávamos nem perto de ter o YouTube, nem a forma como esse tipo de conteúdo é criado atualmente. Acabou que, com o passar do tempo, esse tipo de projeto continuou sendo muito atual. Só depois fui conhecer canais do tipo, e meu favorito é o Ghost Files (o antigo Buzzfeed Unsolved), com Ryan e Shane dos EUA.


Mesmo que o formato tenha mudado, eu acredito que seja parte da natureza humana essa vontade de investigar, descobrir e entender, e a partir disso construir uma narrativa em cima do que se descobre. Acabei fazendo essa escolha para os personagens porque eu acho bem interessante a diferença que alguém chega num mistério ou crime quando a intenção é a criação de conteúdo, ao invés de apenas ser uma pessoa afetada pelas circunstâncias. Acho divertido criar uma história com personagens que também buscam desenvolver a própria narrativa.


Visão Noturna aborda o relacionamento entre dois amigos, mas também foca no terror. Qual é a importância de novas narrativas LGBTQIAP+?


Uma boa parcela das pessoas queer tem muita ligação bem forte com o terror, então é um campo enorme para exploração narrativa e acadêmica. Quando se fala em horror queer, acredito que primariamente se pense no terror que as pessoas LGBTQIAP+ sofrem na nossa sociedade, e todo o medo e ódio que somos alvo por apenas existir. Apesar do Visão Noturna não ser sobre esse horror específico, as dificuldades de Theo (e dos outros personagens) ao lidar com os próprios sentimentos entram numa outra esfera do horror queer que eu gosto muito, que também engloba os medos e anseios das pessoas que estão fora dos padrões de gênero. Sinto que essa esfera também merece ser explorada e, mesmo que não aborde diretamente o preconceito social, ele ainda informa as ações e escolhas dos personagens.


Pegar isso e misturar com uma premissa de terror mais familiar é algo que sempre tive vontade de fazer. Acho que muitas pessoas queer gostariam de ler mais histórias assim, com essa mistura (eu incluso!). No futuro pretendo continuar explorando esses diferentes tipos de horror, e como a identificação e a compreensão ajudam a superá-los.


O livro usa de elementos da cultura nacional e internacional. Por exemplo, Legião Urbana e Taylor Swift sendo cantados em uma festa no livro. Como foi usar esse artifício?


O uso de referências em um livro pode ser contencioso: tem leitor que ama, tem leitor que detesta, tem gente que acha que deixa o livro datado (o que pode ser um problema ou não). Eu, pessoalmente, acho que sempre depende. No caso específico do Visão Noturna, o estilo dos protagonistas pedia que houvesse algumas citações, pois os dois são mergulhados na cultura pop e trabalham com a internet. Acho que não seria nem natural se eles não mencionassem filmes e jogos sobre os quais tenham falado no canal.


As músicas citadas são um caso em particular, porque são experiências baseadas em situações reais que eu ou amigos passamos, e aí realmente já tem um toque mais pessoal. Mencionar músicas ou letras em livros muitas vezes é usado como um “atalho” para fazer o leitor sentir identificação, mas é algo que só funciona se a pessoa já conhecer aquela música. Eu tentei implementar essas referências de forma que fizessem sentido com a cena: que acentuassem o que os personagens estão passando, e que fossem de acordo com o que eles genuinamente estariam escutando. Espero ter conseguido!


Durante a narrativa percebemos que o livro critica e aborda a influência da elite brasileira em cidades pequenas. O que motivou a abordagem política no livro?


Eu sempre vejo o terror como algo político, independente do estilo. Pois, em algum nível, ele vai levar em consideração as inclinações dos personagens de como lidar com crimes (e até mesmo criaturas), como uma existência capitalista nos organiza, as diferenças de classe… Tudo isso é política. Então, ao tratar de questões insólitas numa cidade brasileira, pra mim foi bastante natural entrar nesse mérito da elite, e de como elas influenciam a vida das pessoas, muitas vezes sem ninguém perceber. Como sociedade sofremos muitas mazelas, e a habilidade dos verdadeiros responsáveis de definir bodes expiatórios é bem ampla.


Theo e Yuri descobrem o que acontece, mas ficam distantes de conseguir resolver todas as questões que a história levanta, e isso também é parte da experiência de uma investigação. Você pode descobrir, entender em parte, mas e aí? O que vem depois? Muitas respostas ficam além do escopo do livro, e isso foi intencional.


Esse lado político de Visão Noturna também foi interessante no sentido de que escrevi as versões anteriores do livro antes do governo Bolsonaro. Nas revisões, acrescentei um ou outro detalhe que refletisse essa experiência coletiva que sofremos, mas foram mudanças bem pontuais. Desde antes já era bem compatível, porque realmente não foi um movimento que veio do nada.

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