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Unreal Unearth: uma odisseia

Em seu terceiro álbum de estúdio, Hozier combina música e literatura através dos Nove Círculos do Inferno de Dante


Por: Beatriz Araujo


Andrew Hozier-Byrne, o irlandês dono do hit "Take Me To Church", que dominou as paradas em 2014, é conhecido por explorar uma fusão de estilos musicais, incluindo blues, folk, R&B e rock. Seu álbum mais recente, intitulado “Unreal Unearth”, lançado em 18 de agosto de 2023, conta com 16 faixas que refletem experiências do cantor durante o período pandêmico em 2020. O álbum aborda temas como cultura, amor e sociedade, além de incorporar elementos culturais irlandeses com ditos populares e versos cantados em gaélico.


Em entrevista para o Grammy, Hozier revelou que encontrou grande parte da inspiração para seu trabalho em “Inferno”, a primeira parte do poema épico "A Divina Comédia" do italiano Dante Alighieri. Esta obra descreve a jornada do poeta pelos Nove Círculos do Inferno, onde cada círculo representa um pecado e uma punição progressivamente mais severa. A narrativa oferece uma representação alegórica da vida após a morte conforme estabelecido pelas crenças cristãs. É em torno dessa jornada poética e recheada de simbologias que Hozier estrutura seu álbum.



Capa do álbum Unreal Unearth no Spotify
Capa do álbum ‘Unreal Unearth’. (Foto: Reprodução/ Spotify)

Em “Unreal Unearth”, os círculos são representados por agrupamentos de músicas com ideias e símbolos presentes no Inferno de Dante. Um exemplo disso é “Francesca”, single de estreia do álbum, que conta a história real do caso da nobre italiana Francesca de Rimini com Paolo Malatesta, irmão de seu marido. No poema, ela e o amado habitam o Vale dos Ventos onde as almas que se entregaram à luxúria e ao adultério são atormentadas por turbilhões de vento sem fim.


Embora a história de Paolo e Francesca seja vista como um pecado lascivo, Hozier redefine a narrativa e enfatiza a devoção duradoura ao parceiro em meio aos momentos difíceis quando canta “Eu não mudaria nada / O paraíso não é adequado para abrigar um amor como você e eu", explorando o tema do amor e compromisso.


As faixas “De Selby (Part 1)” e “De Selby (Part 2)” compõem a abertura do álbum e representam a descida ao submundo. A transição entre as duas músicas é imperceptível, enquanto em um tom misterioso e reconfortante, a voz de Hozier faz um convite ao ouvinte cantando sobre a busca por significado em meio a escuridão e o vazio 


O primeiro círculo, Limbo, é apresentado na terceira faixa, “First Time”. Embora possa ser vista como uma canção de amor, ela carrega também temas como o desejo de sobrevivência e reencarnação. O álbum também mescla algumas referências da mitologia grega ao Inferno de Dante, como o Rio Lete mencionado em “First Time”, o mito de Ícaro em “I, Carrion (Icarian) e em títulos como “Son of Nyx” e “Abstract (Psychopomp)”.


“Eat Your Young” está inserida no terceiro círculo do Inferno e faz referência ao panfleto satírico de Jonathan Swift, “Uma Modesta Proposta”. A letra é escrita sob a perspectiva de um narrador não confiável e tece críticas à ganância capitalista e corporativa. Composta de versos como “Migalhas não são para todos/ Velhos e jovens são bem-vindos à refeição”, “Esfolar as crianças por um tambor de guerra / Colocar comida na mesa, vender bombas e armas / É mais rápido e fácil comer os seus jovens”, é uma faixa que aborda questões sociais como a desigualdade e apatia social, tanto em períodos antigos quanto mais recentes.



Hozier e Ivanna Sakhno no videoclipe de ‘Eat Your Young’, no YouTube
Hozier e Ivanna Sakhno no videoclipe de ‘Eat Your Young’ (Foto: Reprodução/ Youtube)

“Damage Gets Done” é a única faixa colaborativa do álbum, com Brandi Carlile, e vem logo depois de “Eat You Young”, como uma resposta da geração mais jovem ao ser sempre julgada como culpada pelo estado negativo da sociedade em um mundo no qual não têm poder.


No sétimo círculo do Inferno, “Butchered Tongue” (“Língua Massacrada”, em tradução livre) representa a violência contra o próximo. A letra expõe a brutalidade infligida aos rebeldes irlandeses pelas forças inglesas durante a Rebelião de Wexford, em 1798, onde orelhas foram cortadas como uma forma de punição e intimidação. A canção também reflete sobre a violência linguística que ocorreu durante o período, em versos como: “Sem nenhum tradutor para soar / Uma língua massacrada ainda cantando aqui acima do solo”. Hozier também resgata o idioma irlandês cantando trechos em gaélico em “De Selby (Part 1)” e “To Someone From A Warm Climate (Uiscefhuarithe)”, tornando-se uma voz poderosa para aqueles que foram silenciados e oprimidos ao longo da história.


“Anything But”, décima terceira faixa do álbum, é uma das mais divertidas e interessantes. Em um primeiro momento, ela soa como uma canção de amor, inocente e apaixonada, no entanto, é repleta de frases enigmáticas que revelam o desejo de se afastar de alguém. A música está inserida no oitavo círculo do Inferno, a fraude. Um exemplo é quando Hozier canta: “Se eu tivesse o trabalho dele, você viveria para sempre”, o ele a quem está se referindo é a morte, e ao relacionar o verso com o contexto de Inferno “viver para sempre” significaria um eterno tormento.


Encerrando o álbum, a décima sexta faixa “First Light”, simboliza o fim da jornada pelo Inferno, a saída das trevas para ver a luz novamente. O trecho “E mal consigo acreditar no que estou acreditando/ Poderia ser assim que todos os dias começam?” transmite a sensação de esperança, a expectativa do recomeço após as experiências vividas e assegura a efemeridade das dificuldades que enfrentamos ao longo da jornada que chamamos de vida. 


Com mensagens atemporais que inspiram reflexões sobre o mundo e a sociedade que o compõe, a habilidade de Hozier em entrelaçar suas composições à literatura, utilizando-a para contar uma história que abraça diversas temáticas, confere à "Unreal Unearth" um caráter fascinante e extraordinariamente poético.



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