Rapper americano busca paraíso musical e redenção pessoal em quarto álbum
"UTOPIA", quarto álbum de estúdio do rapper norte-americano, Travis Scott, surgiu como um furacão no cenário musical: quebrou recordes de vendas físicas e alcançou sucesso nos streamings. O projeto lançado em meio a uma enxurrada de opiniões divergentes foi anunciado com um ar de mistério e expectativa. O álbum chegou às prateleiras físicas e virtuais em julho e não decepcionou em números, conquistando mais de um milhão de cópias vendidas e um bilhão de reproduções no Spotify. "UTOPIA" é um álbum que tenta ser muitas coisas ao mesmo tempo: um manifesto artístico, uma resposta às críticas e um olhar introspectivo sobre a vida e carreira do rapper.
Capa do álbum “UTOPIA” / Foto: Cactus Jack Records
Travis Scott é um artista que carrega o peso de seu próprio legado e, mais recentemente, o peso de uma tragédia. O evento catastrófico que ocorreu durante a turnê de seu álbum anterior, “ASTROWORLD”, e resultou na morte de dez pessoas, deixou marcas não apenas na carreira de Travis, mas também em sua psique. Após o desastre lançou-se uma sombra sobre ele que "UTOPIA" tenta, de alguma forma, dissipar. O projeto é um exercício de bravura criativa que busca redenção para o artista e para o homem por trás dele.
Se “ASTROWORLD” foi um parque de diversões sonoro, o novo álbum é um labirinto psicodélico. “GOD’S COUNTRY” poderia muito bem ser a trilha sonora de um filme de terror, enquanto “MODERN JAM” é uma homenagem sutil ao hip-hop dos anos 80. “FE!N” e “SIRENS” são experimentos sonoros que desafiam a estrutura convencional do rap, criando uma atmosfera quase palpável. Cada faixa é uma imersão em um universo distinto, algo que poucos artistas conseguem fazer com tanta maestria.
A produção de "UTOPIA" é, sem dúvida, seu ponto mais forte. Cada batida, transição e detalhe sonoro é meticulosamente planejado. Travis demonstra uma habilidade ímpar de encaixar seu rap em batidas complexas e bem produzidas. Isso é evidenciado em “I KNOW ?”, “TIL FURTHER NOTICE” e “CIRCUS MAXIMUS”, alguns dos destaques do álbum. Esta última faixa, aliás, consegue capturar a energia bruta de “Black Skinhead”, do também rapper Kanye West, enquanto ainda se beneficia da ótima participação do cantor The Weeknd.
A influência de Kanye é inegável. "UTOPIA" é frequentemente comparado a “Yeezus” (álbum de Kanye), e não sem razão. Ambas produções compartilham uma textura sonora meticulosa e uma abordagem experimental. No entanto, onde Kanye é um letrista incisivo, Travis opta por uma abordagem mais atmosférica, focando menos na substância lírica e mais na experiência sonora. A semelhança com o álbum de seu mentor é inegável, mas é preciso ressaltar que Travis Scott não é um mero imitador. O rapper foi colaborador vital na produção de “Yeezus”, fazendo com que parte da sonoridade do álbum seja dele.
Travis Scott durante performance / Foto: Beth Saravo
Scott sempre foi conhecido por suas colaborações com grandes nomes da indústria musical. Seu quarto álbum não é exceção, nomes como Beyoncé, Drake e SZA aparecem no disco. No entanto, em “K-POP”, Travis quase desaparece, deixando Bad Bunny e The Weeknd dominarem a faixa. É como se ele tivesse renunciado a sua própria identidade em prol de um som mais comercial.
Apesar disso, a obra tenta ser mais do que um álbum, ela quer ser uma experiência. Faixas como “MY EYES” e “TELEKINESIS” mostram um Travis mais introspectivo, embora nem sempre bem-sucedido. As mudanças de batida como a de "MELTDOWN" são um dos pontos altos, mostrando que o rapper ainda guarda seus antigos truques na manga. O álbum é uma caixinha de surpresas sonoras, variando do trap ao rock psicodélico. Por isso, “UTOPIA” não é para todos, especialmente para aqueles que esperavam algo mais convencional. Travis Scott se arrisca, e isso é evidente na sonoridade densa e nas letras que, embora simples, carregam um peso emocional.
“UTOPIA” é uma experimentação multifacetada que desafia as convenções e empurra os limites do que o rap pode ser. Embora não alcance a coesão magistral de "ASTROWORLD", o álbum serve como um testemunho eloquente do talento inegável e da coragem artística de Travis Scott. A busca por uma utopia pessoal e musical pode não ter atingido seu destino, mas é a própria jornada repleta de riscos, revelações e redenção que faz deste álbum uma obra indispensável. E é essa incessante busca pela excelência, mesmo quando confrontada com falhas e desafios, que faz de “UTOPIA” uma viagem sonora que vale a pena ser feita e emanda ser vivenciada em toda a sua complexidade.
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