Despejo irregular de produtos químicos deixa evidente a poluição do manancial
Foto de fiscalização/ Reprodução Inea Divulgação
A interrupção do abastecimento de água na Estação de Tratamento de Águas (ETA) Guandu em 28 de agosto, após a identificação de uma espuma poluente no rio Queimados, deixou evidente o que tem sido apontado em vários estudos há anos: o sistema Guandu está sobrecarregado e precisa ser recuperado urgentemente. Para evitar novos eventos como esse, provocado pela Burn Indústria e Comércio, especialistas apontam a necessidade de diversas ações conjuntas, entre elas, fortalecimento dos órgãos de fiscalização e dos critérios para concessão de licença ambiental.
Além da possível falha operacional, especialistas dizem que o despejo irregular do produto químico no afluente do Guandu pode ter sido provocado por falhas nos critérios para concessão de licença ambiental ou na fiscalização. Essa paralisação gerou transtornos a cerca de 11 milhões de fluminenses que tiveram o abastecimento de água suspenso.
“O que está acontecendo no Guandu é lamentável, é um descaso de décadas e vai chegar num ponto que vai ser difícil tratar essa água. Vez por outra tem problema no Guandu, é geosmina, é cianotoxina, isso é a ponta de um iceberg, de um problema maior que pode estourar num futuro próximo”, constata Adacto Ottoni, Professor Associado do Departamento de Engenharia Sanitária e do Meio Ambiente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Dois dias depois do acidente, o Instituto Estadual do Ambiente (INEA) multou a Burn, empresa que tem vínculo com a marca Limppano, após a investigação preliminar concluir que a fábrica foi responsável pela poluição no rio Queimados com surfactante, produto utilizado na produção de detergente. No dia 29 de setembro as multas aplicadas contra a empresa foram suspensas após interposição de recurso.
O sistema Guandu foi inaugurado em 1955, na época o estado do Rio contava com pouco mais de quatro milhões de habitantes. De lá para cá, a população aumentou quase quatro vezes, porém, o investimento em saneamento básico não acompanhou esse crescimento, que se deu de forma desordenada. Atualmente, estima-se que 112 milhões de litros de esgoto sem tratamento sejam despejados por dia na bacia do Guandu.
Adacto Ottoni, enfatiza a necessidade de ações emergenciais para evitar um colapso no abastecimento de água no Rio. O professor destaca a ação dos órgãos ambientais apesar da precariedade. “ A questão da água é uma questão de saúde pública e tem que ser prioridade número um. O primeiro ponto para resolver o problema da qualidade da água do Guandu é investir nos órgãos ambientais que fazem licenciamento e fiscalização, ter monitoramento, fortalecer as medidas protetivas e punitivas. O segundo ponto é investimento no tratamento de esgoto em Nova Iguaçu e Queimados. Também é possível fazer a recarga artificial da água subterrânea, que leva mais água para o rio, e é uma coisa simples, que é infiltrar a água de chuva no terreno próximo ao rio, além disso, é necessário reflorestar as margens do rio o máximo que puder”, afirma.
Foto esgoto sem tratamento/ Reprodução Internet
Um estudo realizado por pesquisadores da Uerj, da Universidade do Norte Fluminense (Uenf) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e divulgado no jornal científico europeu Water constatou que apenas um terço das cidades fluminenses têm água de qualidade. A pequena São José do Ubá, próxima a Campos dos Goytacazes, teve o melhor desempenho, já a capital ocupa o 37° lugar.
Elmo Rodrigues da Silva, Doutor em Saúde Pública, Professor Associado do Departamento de Engenharia Sanitária e do Meio Ambiente da Uerj, assegura que o destinamento correto do lixo também ajuda a proteger os mananciais e diminuir a poluição de rios e mares. “ A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) foi sancionada em 2010, mas a regulação só veio em 2022. O Brasil ainda tem 2600 lixões, o chorume (resíduo resultante da decomposição do lixo) pode se infiltrar no solo e atingir lençóis freáticos. A Política Nacional de Logística Reversa ainda atua muito abaixo de atingir os objetivos propostos. A coleta seletiva é um problema crucial no Brasil e as taxas de reciclagem são muito baixas. A coleta regular de resíduos e limpeza dos logradouros evitam que o lixo chegue aos rios”, declara.
Guandu é o maior sistema de tratamento de água do mundo
A ETA Guandu é o maior sistema de captação e tratamento de água do mundo e atende a 80% da Região Metropolitana, que inclui a capital além dos municípios de Belford Roxo, Duque de Caxias, Nilópolis, Nova Iguaçu, Queimados e São João de Meriti. As 220 toneladas de produtos químicos utilizados diariamente pela Cedae no tratamento da água dimensionam os níveis de poluição do Guandu. Mesmo com esse tamanho, a falta de água é um problema constante na Região Metropolitana, além disso, os relatos de má qualidade da água são constantes. A crise da geosmina ocorrida em 2020 ainda está bem fresca na memória dos fluminenses.
O professor Adacto Ottoni cita a iniciativa política tomada em Nova York, Estados Unidos, que optou por atuar na limpeza e conservação do rio Hudson, pagando uma determinada quantia anual aos proprietários de terras às margens do rio para atuarem no projeto de produtores de água. A primeira opção que havia sido proposta era a de construção de estações de tratamento ao custo de U$10 bilhões.
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