País europeu recorrerá às usinas termelétricas movidas a carvão, medida contestada por especialistas
Foto: Flávia Villela/Agência Brasil
A Alemanha anunciou em abril a desativação de suas últimas três usinas nucleares, concluindo um processo iniciado em 2002, quando foi promulgada uma lei determinando o desligamento gradual. As principais justificativas alegadas pelo governo foram o medo de acidentes e a busca por fontes renováveis. Nos últimos anos, o modelo atômico foi responsável por apenas 6% da energia elétrica gerada no país. Para suprir a demanda energética, a Alemanha intensificará o uso de usinas termelétricas movidas a carvão.
Os especialistas divergem sobre as decisões tomadas pelo país europeu. Antonio Carlos Oscar Júnior, professor adjunto do departamento de geografia física da Uerj e conselheiro da Associação Brasileira de Climatologia (ABClima), considera a medida um retrocesso, pois o aumento da queima de carvão acarretará na liberação de mais gases de efeito estufa, contribuindo assim para o aumento da temperatura global. Já Luciano Alves, engenheiro químico e mestre em biologia com ênfase em biociências nucleares pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), é favorável à energia nuclear porque os reatores conseguem produzir uma enorme quantidade de energia e os protocolos de segurança são rígidos, apesar de destacar que a exposição à radioatividade pode causar sérios problemas de saúde.
Riscos da produção de energia nuclear
A decisão da Alemanha de interromper o funcionamento dos reatores foi baseada no temor sobre os efeitos de curto e longo prazo causados por um eventual acidente, como o que aconteceu em Fukushima em 2011. Segundo Alves, a produção de energia nuclear é danosa à saúde tanto em desastres como na operação cotidiana do reator: “Quando a gente fala de radiação, existem dois tipos de efeitos que podem acontecer para o ser humano: determinísticos e estocásticos. Um efeito determinístico é uma coisa determinada, como um acidente nuclear: não tem para onde sair, as pessoas que estão ali vão morrer. E o efeito estocástico ocorre quando o corpo acumula partículas radioativas. Digamos que eu trabalhe com elementos radioativos: por mais que eu use todos os equipamentos de proteção individual, eu estou exposto e meu corpo vai estocando. Com o passar dos anos, posso desenvolver alguma doença.”
Alves também explicou que a radiação, uma vez absorvida em excesso pelo corpo humano, altera o DNA (espécie de manual de instrução) das células, causando assim uma mutação. “Essa célula mutante não vai funcionar normalmente, ela não vai mandar todas as informações corretas de como deveria funcionar. Eventualmente, ela vai se tornar um célula descontrolada, podendo se multiplicar de forma desordenada, num ritmo intenso. Esse processo pode levar ao surgimento de um tumor, que nada mais é que um aglomerado de células defeituosas produzidas num curto intervalo de tempo”.
A produção de energia nuclear também é controversa porque envolve a manipulação de urânio, um elemento altamente radioativo, em um processo conhecido como fissão nuclear. De acordo com Alves, o átomo de urânio é bombardeado com nêutrons, entrando em desequilíbrio. Ao se partir, ele libera uma grande quantidade de energia e outros nêutrons, que atingirão outros átomos de urânio e assim por diante, dando início a uma reação em cadeia, que não pode ser impedida. Por isso, o engenheiro ressalta o rigor dos procedimentos: “As usinas são todas controladas, a automação e o controle são extremamente rígidos, a quantidade de urânio é determinada, tudo simetricamente calculado para que aquilo não saia do controle”.
Uso de carvão e busca por fontes renováveis
A Alemanha recorrerá às usinas termelétricas movidas a carvão para preencher a lacuna deixada pelo desligamento dos reatores. Segundo o pesquisador Antonio Carlos Oscar Junior, esta medida terá um impacto negativo sobre o meio ambiente: “Essas usinas funcionam a partir de processos térmicos de aumento de temperatura através da queima de combustíveis fósseis, como o petróleo e o carvão. A gente tem que entender que isso é um passo para trás da Alemanha, porque efetivamente você está colocando mais monóxido de carbono, dióxido de carbono na atmosfera, que já está saturada. Além do carbono, a queima pode liberar dióxido de nitrogênio e compostos orgânicos voláteis que, junto com o oxigênio da atmosfera, geram ozônio troposférico, que também é um gás estufa e altamente cancerígeno.”
Uma das justificativas da Alemanha para a desativação das usinas nucleares foi a busca por energias renováveis, cujas fontes se renovam continuamente, como a hidrelétrica, eólica e solar. Apesar de serem mais “limpas” que os combustíveis fósseis, pois impactam muito menos o meio ambiente, Oscar Junior afirma que as energias renováveis não são sinônimo de sustentabilidade: “A energia eólica é renovável mas não é socialmente sustentável porque as chamadas fazendas eólicas impactam a população que mora nessa área econômica e socialmente, sofrendo com a retirada de renda, com a perda de produtividade da terra, que está sendo usada para produção de energia e não tem uma coexistência com outros modos de produção.”
Fontes de energia renovável são a base da matriz energética brasileira
Usina de Angra 3 - Fonte: Eletronuclear
O Brasil também investe em energia atômica, mas esta modalidade representa uma pequena parcela da produção energética. As únicas duas usinas nucleares em funcionamento, Angra 1 e Angra 2, localizadas no município de Angra dos Reis (RJ), produzem atualmente 2% da energia elétrica do país. Uma terceira usina está sendo construída, a Angra 3, cujas obras já foram 65% concluídas, com previsão de entrar em funcionamento em 2028. Segundo a Eletronuclear, empresa estatal responsável pelas operações, a nova instalação terá potência de 1.405 megawatts, suficiente para abastecer Brasília e Belo Horizonte por um ano. O Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos concedeu crédito suplementar no valor de 388 milhões de reais para o prosseguimento do projeto em portaria publicada na edição de 24 de abril do Diário Oficial da União.
O investimento no setor ocorreu pouco depois de a Eletronuclear ter sido multada em R$ 2,1 milhões pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) por despejar 90 litros de água contaminada provenientes de Angra 1 no mar. O acidente ocorreu em 16 de setembro de 2022, mas a estatal só admitiu o fato em 30 de janeiro deste ano.
O ponto forte brasileiro no setor energético são as fontes renováveis. Segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), mais de 90% da energia consumida no país no primeiro trimestre de 2023 foi gerada a partir das matrizes eólica, hidráulica, solar e biomassa (queima de matéria orgânica), o que não ocorria desde 2011. As diversas condições favoráveis proporcionadas pelo território permitem ao Brasil explorar as diversas opções de energia limpas disponíveis.
Entretanto, Antonio Oscar afirma que é necessário priorizar as matrizes energéticas menos danosas ao meio ambiente e à sociedade: “A gente precisa pensar que existe uma hierarquização do quão sustentáveis e limpas são essas energias renováveis. Nem tudo se aplica à realidade do Brasil e, no que se aplica, precisamos observar se ela traz uma equidade social. Não faz sentido eu parar de degradar a natureza se, por outro lado, estou empobrecendo a população. Isso não é sustentável. E no geral essa decisão é comandada pela economia: ela não é comandada pela mudança climática, por ambientalistas, por pesquisadores da área. Ela é comandada pelo mercado, essa que é verdade”.
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