Palestras promovem diálogos entre cientistas internacionais e nacionais
Por: Manoela Oliveira e Maria Eduarda Galdino
Reprodução: Manoela Oliveira
A Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) reuniu três ganhadores do Prêmio Nobel para debaterem sobre a importância da ciência, nesta última segunda-feira (15). O evento aconteceu pela primeira vez no Brasil, e trouxe premiados como Serge Haroche (ganhador do Prêmio Nobel de Física), David MacMillan (ganhador do Prêmio Nobel de Química) e May-Britt Moser (ganhadora do Prêmio Nobel de Medicina). O encontro foi organizado pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e pelo Nobel Prize Outreach.
A palestra “As responsabilidades dos cientistas” discutiu o papel dos cientistas no incentivo à ciência e na construção de um futuro melhor, no Teatro Odylo Costa, filho. A mesa contou com a presença de May-Britt, de Luiz Davidovich, ex-presidente da ABC e de Adam Smith, moderador do debate. Alunos de universidades da América Latina foram convidados para participarem do debate. Lúcia Del Valle, da Universidade do Chile, Isaac Diaz, do Instituto de Tecnologia da Costa Rica e Heloísa Paterno, do Instituto Federal Catarinense, relataram suas experiências como jovens cientistas.
O evento iniciou-se às 10h00 e terminou às 16h00, promovendo uma discussão sobre a importância dos cientistas na sociedade. A cobertura em inglês e em português do evento pode ser acessada pelo Youtube do Nobel Prize.
As responsabilidades dos cientistas
Luiz Davidovich explicou que a obrigação dos cientistas é buscar conhecimento, visando desenvolver um mundo melhor. Segundo o físico: “A ciência deveria ter como preocupação principal a curiosidade e a paixão pela mesma”. Ele ressaltou a pressão da nova geração de cientistas com o “sistema recompensatório”, que consiste na extrema vontade dos pesquisadores de serem reconhecidos pelas suas pesquisas acadêmicas. Porém, de acordo com Davidovich, o trabalho dos cientistas de desvendar os mistérios do universo já é algo impressionante, não é necessária a procura por recompensas acadêmicas.
Davidovich disse que a outra responsabilidade dos cientistas é seguir regras éticas, para a ciência não se tornar algo prejudicial à humanidade. Porque, segundo ele: “Geralmente, aqueles que têm mais poderes no país ou no mundo, vão ter mais poder na gestão da tecnologia”. O físico enfatizou que a ciência é um mecanismo para romper barreiras globais, por isso, ela deve ser usada de maneira correta pelos cientistas. A pesquisadora May-Britt acrescentou que em situações de guerra, como no conflito entre Ucrânia e Rússia, os pesquisadores precisam se ajudar para o bem da sociedade.
May-Britt levantou um questionamento sobre o limite do envolvimento dos cientistas nas áreas políticas. Ela afirmou que: “Ao receber o Prêmio Nobel, as pessoas me tratam, como os outros laureados, como uma pessoa que pode ter influências políticas”. A neurocientista enfatizou que é necessário encontrar um equilíbrio na atuação desses profissionais nas questões públicas, para não ocorrer uma intervenção extrema e se tornar algo perigoso. Em março de 2024, houve um caso de envolvimento político dos ganhadores do Prêmio Nobel, em que 39 laureados se manifestaram contra o governo de Vladimir Putin, presidente da Rússia, em carta aberta.
Lúcia Del Valle perguntou a May-Britt como ela lida com profissionais de diferentes áreas nos laboratórios de pesquisa. Como exemplo, Lúcia citou os profissionais de comunicação que ajudam na divulgação dos projetos do laboratório para a população. May-Britt respondeu que a comunicação é fundamental e os cientistas do laboratório sempre procuram estar em constante contato com os comunicadores. A neurocientista ressaltou que não tem medo de receber outros profissionais que saibam mais que ela em alguma área, seja ela científica ou qualquer outra.
Isaac acrescentou ao que foi dito por May-Britt em relação à comunicação. Ele afirmou que a comunicação é uma responsabilidade pública, porque as instituições usufruem do dinheiro do Estado, portanto existe uma responsabilidade em compartilhar as pesquisas e o desenvolvimento com a sociedade.
Luiz Davidovich complementou a fala de Isaac sobre a necessidade de se aprender a ouvir as pessoas de diferentes culturas em nossa volta, e não somente compartilhar o seu ponto de vista de pesquisador. Davidovich disse que o Brasil e outros países da América Latina carregam consigo uma diversidade, então os cientistas devem ouvir a perspectiva e conhecimento de cada indivíduo. Como exemplo, ele citou que a ABC possui uma categoria chamada de “colaboradores”, os quais são pessoas que não são cientistas, mas que fizeram diversas contribuições para o avanço científico. O físico citou Davi Kopenawa, xamã da tribo Yanomami, protagonista de um livro transcrito pelo antropólogo francês Bruce Albert chamado “A queda do céu”. A obra é um relato sobre a história de vida de Davi e suas crenças cosmoecológicas. Luiz acrescentou: “Além da ciência, existe o conhecimento, e conhecimento é diferente de ciência. E nós devemos ouvir o conhecimento, porque o conhecimento pode ser a entrada para a ciência”.
BRASIL X CIÊNCIA
Apesar de o Brasil ter um certo desenvolvimento no âmbito científico, muitos cientistas brasileiros se sentem desvalorizados no país, pois as instituições de educação e pesquisa científica não recebem apoio suficiente das autoridades públicas. Os cortes nas bolsas, a falta de infraestrutura e a desvalorização do Estado são constantes. Segundo o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, nos últimos anos, 6,7 mil cientistas deixaram o país para poderem iniciar ou concluir suas pesquisas no exterior.
A falta de pesquisas feitas por brasileiros têm consequências no cenário nacional. O prêmio Nobel é um evento que acontece há 120 anos, desde 1901, e até hoje nenhum brasileiro teve a oportunidade de ser laureado, seja ele nas categorias de Medicina, Literatura, Economia, Paz, Física e Química.
Diante dessa crise nacional, o governo Lula tem feito esforços para o resgate do avanço científico no país. O programa “Conhecimento Brasil” está sendo lançado visando repatriar cientistas brasileiros que atualmente residem no exterior e tenham concluído o mestrado e doutorado, ou até mesmo cientistas brasileiros que não possuem nenhum tipo de vínculo com alguma instituição científica no país para que eles possam desenvolver suas pesquisas no Brasil. O governo planeja investir 1 bilhão de reais para repatriar mil cientistas brasileiros e combater o que eles chamam de “fuga de cérebros”, termo usado para pesquisadores que se formam em território brasileiro e saem do país.
O programa irá pagar uma bolsa de R$13 mil reais aos cientistas que ficarem em instituições de pesquisas ou universidades brasileiras, mais uma verba de 400 mil reais para que novos institutos de pesquisa sejam construídos.
Apesar de o programa “Conhecimento Brasil” ter um plano progressista, ainda surgem inúmeras dúvidas em relação a alguns aspectos. Nas redes sociais, alguns cientistas questionam o programa, alegando que o governo deveria pensar nos cientistas que continuam no país e estão tendo dificuldades devido à desvalorização da profissão. Segundo relatório de Elsevier-Bolsi, o Brasil registrou uma queda de 7,4% de produção científica em 2022, em comparação com o ano anterior.
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