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Foto do escritorEverton Victor

Livro mapeia disparidades entre homens e mulheres na Ciência

Estereótipos, apagamento e sobrecarga fazem parte da rotina de mulheres cientistas, mostra trabalho de Tatiana Roque e Letícia de Oliveira


Por Everton Victor


Da entrevista de emprego ao cotidiano do trabalho, o dia a dia das mulheres cientistas é marcado pela desigualdade. É este o tema de Mulheres na Ciência, livro de Tatiana Roque e Letícia de Oliveira. Em lançamento realizado na Uerj no dia 17 de junho, as autoras discutiram as dificuldades enfrentadas pelas mulheres no campo científico com relatos, dados e entrevistas. O evento foi organizado pelo Núcleo de Estudos sobre Desigualdades Contemporâneas e Relações de Gênero da universidade.


“A representação feminina não é suficiente, mas ela é absolutamente necessária. Sem isso, a gente não tem como começar”, afirmou Leticia de Oliveira, neurocientista e coordenadora da Comissão de Equidade da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj). Leticia destaca a importância do livro por debater a necessidade de ter uma ciência diversa. “Na medida que eu vejo mulheres e negros em espaços de tomada de decisão, isso passa a ser espaço de pertencimento. E aí aquele estereótipo de  baixa eficiência e baixa competência vai sendo desfeito”. 


A obra assinada em parceria por Letícia e Tatiana Roque, professora da UFRJ e ex-secretária de Ciência e Tecnologia do município do Rio, também discute os estereótipos que cercam a mulher cientista. O livro, dividido em cinco capítulos, apresenta sugestões para enfrentar o preconceito. Entre elas, se ater aos critérios estabelecidos no edital sem perguntas pessoais, estabelecer comissões de diversidade e principalmente trazer as mulheres para espaços de poder sem estarem sub-representadas no debate.


Dados da ciência hoje


Desde a primeira edição do Prêmio Nobel, em 1901, até 2016, apenas 3% dos ganhadores da honraria nas áreas de ciências foram mulheres. Mas aos  poucos isso vem mudando. Desde 2018 ao menos uma mulher é laureada em uma das premiações da Fundação. Para a neurocientista, desconstruir estereótipos passa por garantir representatividade: “Você não precisa falar para uma menina que ela não vai ser astrofísica, isso já está dito na medida que ela não se vê naquele espaço”.


O cenário não é exclusivo do prêmio Nobel. No Brasil, apenas 12% das mulheres compõem academias científicas, de acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco). Ainda segundo o relatório, somente 14% das posições na Academia Brasileira de Ciências são de mulheres, apesar de representarem 51,5% da população do país. 


Nas áreas STEM, termo em inglês que reúne os campos da Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática, a disparidade é ainda maior. Apenas 35% dos estudos relacionados a essas áreas são feitos por mulheres no mundo, segundo a Unesco. No mercado de trabalho a discrepância aumenta, sendo uma mulher para cada quatro homens. No capítulo seis do livro Mulheres na Ciência, as autoras explicam o dado e abordam as causas e as nuances disso na prática.


Efeito Matilda


Na obra, Tatiana e Leticia também abordam alguns termos que por vezes estão presentes no cotidiano das mulheres, como o efeito Matilda - expressão usada para designar o apagamento de mulheres no campo científico. Se uma cientista contribuiu para um artigo e não recebeu o devido reconhecimento no texto,  ela sofreu o Efeito Matilda. Tal efeito pode ser sutil, diminuindo intencionalmente ou não a contribuição daquela mulher, ou mesmo apagá-la por completo de alguma contribuição que ela fez. 


Nomes que contribuíram para a Ciência como Jane Wrigh, mulher negra oncologista que ajudou a desenvolver tratamentos contra o câncer ou mesmo as contribuições da física, e matemática Mileva Einstein, esposa de Albert Einstein, são por vezes esquecidos dos livros de história. “É como se tivesse uma barreira transparente que ela não parece existir, mas ela existe e você não consegue passar”, reforça Leticia.


Maternidade vista como empecilho para produtividade das cientistas


Outra realidade enfrentada pelas cientistas são os estereótipos da maternidade. Em dezembro de 2023, o Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) negou uma bolsa de Produtividade em Pesquisa para a professora da UFABC Maria Carlotto. Na justificativa, o órgão citou que “provavelmente as gestações atrapalharam” as iniciativas da docente. Após a repercussão negativa, o Conselho emitiu uma nota reconhecendo que essa justificativa “expressa juízo preconceituoso”. O caso também está presente no livro.


As autoras detalham a necessidade considerar, nas análises de produtividade, o período de gestação ou de recuperação pós-parto. É comum que mulheres nessas condições tirem licença, mas, quando retornam, são julgadas por não estarem sendo produtivas em termos científicos. “É muito inóspito, você tem que ser mãe como se não fosse cientista, e cientista como se não fosse mãe”, aponta a neurocirurgiã.


O livro está disponível gratuitamente nas redes sociais das autoras, mas você também pode consultá-lo aqui. A ideia delas é continuar a pesquisa e ter a colaboração de mais cientistas.





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