Crianças, idosos e a população mais pobre são os mais vulneráveis
Termômetro registra alta temperatura- Foto:@PauloPinto/AgênciaBrasil
“Haja saúde pra aguentar esse tempo!” Difícil saber quem nunca ouviu essa expressão. Apesar de parecer apenas uma reclamação sobre os dias com maior amplitude térmica, quando há grande variação de temperatura, existem motivos reais para preocupações. Para além das alterações bruscas no tempo, os efeitos da mudança climática na saúde humana já são conhecidos desde 2018, como mostra o relatório “Contagem Regressiva” divulgado pela revista científica The Lancet.
Segundo o relatório, crianças, idosos e a população mais pobre, em especial dos países periféricos, serão os mais afetados pela mudança climática. As alterações nos ciclos de chuva já levaram a um aumento de doenças provocadas pelo contato com água contaminada, como a leptospirose e as que são disseminadas por vetores, como a dengue, transmitida pelo mosquito Aedes Aegypti. O relatório “Contagem Regressiva” aponta ainda que se nada for feito, a tendência é que haja uma escalada nos problemas de saúde sem precedentes.
Outro estudo publicado recentemente na revista Science Advances, que detalhou o nível da poluição que assola o planeta, revelou que seis dos nove limites planetários para a sobrevivência da humanidade foram ultrapassados, incluindo a concentração de Dióxido de Carbono (CO2) na atmosfera, que pode provocar problemas respiratórios e a perda de biodiversidade, que pode levar a novas pandemias.
“As mudanças climáticas e o aquecimento global já são uma realidade e são irreversíveis. A chuva de 2011 na Região Serrana do Rio foi um evento extremo”, afirma Antônio Carlos Oscar Júnior, Professor Adjunto de Geografia Física da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Pesquisas alertam que as ondas de calor aumentam as taxas de estresse por calor, insolação, insuficiência cardíaca e problemas renais devido a desidratação. Outro tópico importante levantado pelos pesquisadores diz respeito ao buraco na camada de Ozônio, que permite um nível de radiação UVA e UVB mais intenso do que o normal. Para proteção contra o câncer de pele, é indicado o uso diário de filtro solar com fator de proteção 30 ou superior, e evitar exposição ao sol entre as 10 e 16 horas.
Médico atende bebê. (Reprodução:Freepik)
Infância e terceira idade são os mais frágeis
Recentemente uma onda de calor se alastrou pelo Brasil, algumas cidades registraram temperaturas máximas muito acima dos índices normais para o período, como a pequena cidade de Aragarças, em Goiás, em que os termômetros marcaram 44,3°C em 19 de outubro segundo o Instituto Nacional de Meteorologia(INMET). Na escala global, julho deste ano foi o mês mais quente da história segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM) ligada à Organização das Nações Unidas(ONU). Segundo a OMM, 2023 pode ser o ano mais quente já registrado.
Especialistas afirmam que o calor extremo pode provocar desidratação, insolação e exaustão, que pode ser fatal em alguns casos. As ondas de calor podem ser acompanhadas de chuvas intensas e a recomendação para evitar o contato com as águas de inundação serve para todos, porém, os médicos destacam que crianças e idosos são mais vulneráveis e têm mais chances de desenvolver doenças do trato gastrointestinal e infectocontagiosas, como a leptospirose.
Uiara Oliveira Ribeiro, médica geriatra e Vice-Presidente da Seccional Paraná da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia aponta alguns problemas comuns como alergias respiratórias e de pele, insolação e outros que requerem atenção. ”O organismo da pessoa idosa tem mais dificuldade para manter a temperatura corporal, com isso pode acontecer um quadro de hipertermia, estado em que a temperatura do corpo fica acima dos 40 °C. O calor excessivo pode causar quedas de pressão, que pode levar a tonturas e desmaios. Apesar de precisar da mesma quantidade de líquido de antes, na terceira idade ocorre uma diminuição na percepção de sede, o que pode levar a desidratação”, enfatiza.
Tadeu Fernando Fernandes, Presidente do Departamento Científico de Pediatria Ambulatorial da Sociedade Brasileira de Pediatria, afirma que a imaturidade imunológica das crianças favorece problemas respiratórios, principalmente com as mudanças bruscas de temperatura. Ele salienta que no calor extremo além de cuidar da hidratação dos pequenos é preciso estar atento à alimentação, evitando o consumo de ultraprocessados e evitar o consumo de alimentos muito calóricos que podem fermentar e causar problemas gastrointestinais.
“Estamos vivendo tempos difíceis, estamos sentindo realmente na pele os efeitos do aquecimento global. A conscientização tem que ser de todos, se nós não tomarmos alguma atitude, com certeza as próximas gerações irão sofrer muito mais do que essa”, enfatiza Fernandes.
A desigualdade social como fator de risco
Especialistas afirmam que é preciso mudar a forma de produção e de consumo, enfatizam que é urgente a adoção de um modelo de economia sustentável. Apontam ainda que os eventos extremos afetam a população mais pobre.
Segundo o relatório “Contagem Regressiva”, os sistemas de saúde de todo o mundo podem sofrer uma sobrecarga. Doenças como malária, dengue, leishmaniose, febre tifóide e cólera já vêm apresentando aumento nos registros nos últimos anos. A disparidade no acesso a serviços de saúde deve se intensificar com a progressão desse quadro, fazendo com que as pessoas com menor poder aquisitivo tenham ainda menos acesso a tratamentos médicos necessários. O professor Antônio Carlos acrescenta que nem todos vão sentir as mudanças da mesma forma. Quem tem melhor condição financeira pode desfrutar de conforto, pagar seguro para evitar perdas materiais e ter plano de saúde, garantindo acesso a cuidados médicos. Ressalta ainda a necessidade de pôr em prática a justiça climática e de planos de contingenciamento de danos.
O relatório salienta que os países mais pobres devem sofrer os maiores impactos com as mudanças climáticas, mesmo não sendo os maiores responsáveis pelas emissões de CO2. Riscos de perdas materiais estão dentro da projeção desse cenário, mas o texto vai além. Indica que existem grandes chances de um quadro de insegurança alimentar uma vez que a agricultura, assim como a biodiversidade, também sofre danos com a mudança climática. E nesse caso, com aumento de preço dos alimentos, a perspectiva de insegurança alimentar para a população mais pobre se agrava.
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