Professor da UFPR analisa impacto de chats como o GPT na pesquisa acadêmica e na produção de conteúdos
Rafael Sampaio, professor da UFPR e coordenador do grupo de Pesquisa Comunicação Política e Democracia Digital (COMPADD-UFPR). Fonte: (Reprodução/ YouTube)
Quem é professor desconfia: será que estudantes estão usando o chat GPT para fazer os trabalhos no lugar deles? Quem é estudante pensa: será que se o chat GPT fizer o trabalho por mim o professor vai descobrir? Desde que foi lançado, em novembro de 2022, o chat GPT (sigla para Generative Pre Training Transformer) está no centro do debate sobre os impactos da inteligência artificial na escola e no cotidiano de quem dá e recebe aulas. O plágio acadêmico, porém, é só um detalhe, mínimo talvez, diante da multiplicidade de questões trazidas pela ferramenta. É o que diz Rafael Cardoso Sampaio, professor da Universidade Federal do Paraná e um dos nomes de referência hoje no Brasil quando o assunto é inteligência artificial (IA).
Convidado do ciclo de palestras comemorativas pelos 50 anos do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Sampaio fez na última segunda-feira (28/8) uma apresentação detalhada sobre os usos das ferramentas da IA. Discutiu também as mudanças causadas pelo chat GPT e seus aparentados no cotidiano da pesquisa acadêmica. São modificações profundas, que dialogam com qualquer atividade que envolva produção intelectual, autoria e desinformação – entre elas, o jornalismo.
Quem é o autor de um texto escrito pela inteligência artificial? Por enquanto, entende-se que conteúdos produzidos por um chat como o GPT não têm autor definido. Se não há autor nem direito autoral, o próprio conceito de plágio se fluidifica. Em decisão recente, a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu que obras de arte criadas por inteligência artificial não estão cobertas por direitos autorais. No cinema, já existe a possibilidade de que roteiros de filmes sejam escritos por inteligência artificial. Barthes, ao falar da morte do autor, não imaginou que, mais que morte, haveria um não-autor. Como o chat GPT também consegue melhorar textos, logo logo se poderá pensar na morte do editor.
“Um texto escrito por um humano revisado pela inteligência artificial deixa de ser humano? Se você cria parte do texto por inteligência artificial, como fica? Se a IA ler um texto de nossa autoria, fizer o resumo e o título, a gente cruza um padrão aceitável? Um dos poucos consensos hoje é que de que não se pode colocar inteligência artificial como autor de texto, porque a IA não é accountable (auditável), não pode prestar contas do seu trabalho.” Por isso, a orientação aos pesquisadores, pelo menos por enquanto, é dizer se determinado trabalho usou IA, onde e para quê.
Ainda no que diz respeito a plágio e autoria, outra dificuldade: se é ágil para produzir textos, o chat GPT não é certeiro ao identificar o que foi criado por inteligência artificial. “A detecção não é segura. Não é correto se basear 100% na inteligência artificial para apontar plágio ou recusar um texto numa revista científica, por exemplo”, alerta Sampaio, coordenador do grupo de Pesquisa Comunicação Política e Democracia Digital (COMPADD-UFPR).
A pesquisa de Sampaio aponta outros caminhos de reflexão, como por exemplo o fortalecimento de uma visão hegemônica sobre os temas pesquisados. Criados por programas basicamente dos Estados Unidos e da Europa, os chats de inteligência artificial fazem buscas e resumos a partir desses parâmetros. Priorizam em suas buscas a ciência norte-americana e europeia, o que pode também aprofundar a desigualdade de acesso à produção científica. Um exemplo simples citado pelo professor resume: “Pedi ao chat que contasse a história de como a União Soviética ganhou sozinha a Segunda Guerra, e ele se recusou. Pedi que contasse como os Estados Unidos ganharam a guerra. O texto foi feito.” O que leva a outro raciocínio, um tanto assustador: para que uma pesquisa seja considerada “relevante”, ela terá de ser localizada pelas buscas do chat GPT? Como fazer isso?
Mineiro, formado em jornalismo e morador de Curitiba há oito anos, Sampaio consegue discorrer sobre o chat CPT em linguagem compreensível, sem demonizá-lo nem falar dele como um milagre. É um usuário declarado da ferramenta, que utiliza para buscas e resumos. Suas apresentações trazem dicas sobre os sites mais eficazes e exibem imagens criadas por inteligência artificial e outros ícones da IA no cinema, como os robôs de Star Wars e o replicante Roy de Blade Runner, aquele das lágrimas na chuva (jovens, vejam o filme!). Ao apontar vantagens e desvantagens da IA, Sampaio explicita a inutilidade de proibir seu uso e a necessidade de discutir as questões técnicas e éticas que ela nos apresenta.
E, entre tantas questões levantadas por Sampaio, uma nos inquieta em especial: a IA não gera conhecimento novo, pois se baseia naquilo que já foi treinada a conhecer e reconhecer em suas buscas. Ou seja, só mostra o que já identifica, o que já foi treinada a buscar. Em termos de produção de conhecimento, acrescenta velocidade para localizar algo que já se sabe. Parece muito, mas pode ser pouco no que se refere ao conhecimento. É claro que, como mostrou o cinema, a IA pode surpreender. Mas isso só o futuro dirá.
Você pode assistir à íntegra da palestra de Rafael Cardoso Sampaio aqui:
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