Futebol feminino brasileiro chega para a Copa do Mundo em seu melhor momento na história, afirma pesquisadora
Seleção brasileira na Copa do Mundo de 2019
(Foto: Reprodução/ Assessoria/ CBF)
Uma Copa do Mundo por si só já é histórica, mas algumas tendem a ser mais marcantes, e a nona edição da Copa do Mundo de Futebol Feminino, que começa no próximo dia 20 de julho, pode ser uma delas. Proibido por lei anteriormente no Brasil,por cerca de 40 anos, a modalidade vive um de seus momentos mais representativos no país e pode alcançar novas conquistas com o torneio mundial deste ano.
Para Leda Costa, pesquisadora do Laboratório de Estudos em Mídia e Esporte (Leme) da Uerj e professora colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da universidade, o futebol feminino brasileiro vive o seu melhor momento na história, mesmo com o atraso no investimento na modalidade no país, e ressalta a importância do contexto social e o avanço das lutas feministas nesse processo.
Diante deste cenário, a pesquisadora destaca o papel essencial que o futebol pode desempenhar para diversas reivindicações sociais: “Imagina se o futebol, um patrimônio cultural do país, faz um movimento de incluir a mulher, de reconhecer seu lugar. Ele está fazendo movimento fundamental à sociedade como um todo”, explica. Para ela, portanto, a inclusão das mulheres em uma dimensão cultural tão importante para o Brasil significa uma grande vitória, especialmente diante da história do esporte no país, que apesar de ser conhecido como o “país do futebol”, por muito tempo excluiu as mulheres de sua prática, seja pelo preconceito, falta de investimento ou até mesmo pela lei.
Em abril de 1941, o presidente Getúlio Vargas baixou o Decreto-Lei 3.199, estabelecendo as bases de organização do esporte em todo o país, o que proibiu o acesso das mulheres a diversas modalidades esportivas, como o futebol: “O que a cultura brasileira dizia com a lei é que uma identidade nacional patrimônio do Brasil não pertence à mulher”, afirma Leda. A proibição terminou apenas em 1979, quase 40 anos depois, o que resultou em consequências drásticas para o futebol feminino e seu desenvolvimento, reforçando ainda mais o preconceito na sociedade. A seleção brasileira feminina, por exemplo, só foi organizada em 1988, enquanto, neste época, a equipe masculina já se sagrara tricampeã mundial e se tornara um dos patrimônios identitários do país.
Foto: (Reprodução/ Acervo Futebol Feminino)
Imagem da seleção brasileira na primeira Copa do Mundo Feminina
A Copa do Mundo
O futebol feminino não estava atrasado somente no Brasil, mas no resto do mundo também. A primeira edição da Copa do Mundo Feminina organizada pela FIFA foi realizada apenas em 1991, na China, e caminha para sua nona edição em 2023. A seleção brasileira esteve presente em todas as oito edições e teve como melhor campanha o segundo lugar na Copa de 2007. Na ocasião, o time de Marta, Cristiane e Formiga chegou até a grande decisão, mas acabou sendo superado por 2 a 0 pela Alemanha. O Brasil ainda tem uma medalha de bronze, conquistada em 1999, quando a geração de Sissi derrotou a Noruega, nos pênaltis, e ficou com o terceiro lugar da competição.
Apesar de existir desde 1991, a Copa do Mundo Feminina só foi transmitida pela principal emissora de televisão do país, a Globo, em 2019, quando representou um marco para o futebol feminino brasileiro. Segundo dados do Kantar Ibope Media, a edição daquele ano alcançou 108 milhões de brasileiros, o dobro da Copa do Mundo anterior, e, de acordo com a própria FIFA, o Brasil foi o país a que mais assistiu à final entre Estados Unidos e Holanda, com quase 20 milhões de telespectadores. Diante disso, Leda Costa destaca a importância de envolver a modalidade no processo midiático das narrativas em torno da seleção brasileira e que não se limite apenas aos homens, mas que também inclua as mulheres. Para ela, o futebol feminino no país está acompanhando um processo de transformação em escala global, o que faz com que chegue para esta Copa do Mundo não apenas mais desenvolvida dentro das quatro linhas, mas também fora delas, acompanhando as reivindicações da sociedade brasileira, especialmente das mulheres.
Em 2023, quatro anos após a edição histórica de 2019, a expectativa é que esta Copa seja ainda mais marcante para o Brasil, com uma presença feminina mais forte na mídia para a cobertura dos jogos e também na torcida pela seleção. Dessa forma, a pesquisadora chama a atenção para a maior presença de mulheres jornalistas para as transmissões dos jogos deste ano e afirma ser importante que cada vez mais jogos sejam transmitidos para gerar maior demanda e fazer com que se torne “natural” para os espectadores. Contudo, o nível de cobertura da competição deste ano vai depender da performance da seleção. A exemplo do que faz com outras modalidades, a Globo não deve manter as transmissões de outros jogos na TV aberta caso a seleção seja eliminada precocemente, exibindo apenas os jogos das semifinais e da final do torneio. Já nos canais por assinatura, a programação permanecerá a mesma, independentemente da performance da equipe brasileira.
A voz das arquibancadas
Além do aumento da audiência nos jogos transmitidos pela televisão, o futebol feminino apresentou um crescimento no número do público nas arquibancadas. No Campeonato Brasileiro de 2022, o duelo entre Corinthians e Internacional na Neo Química Arena registrou um total de 41.070 torcedores, recorde em uma partida de mulheres entre clubes no Brasil. Neste cenário, Leda Costa chama atenção para a importância de incluir e reconhecer o lugar das mulheres no meio do futebol e que suas vozes sejam cada vez mais ouvidas. Ela ainda cita o exemplo do caso Cuca no Corinthians e de Robinho no Santos, ambos condenados por violação sexual fora do país e que deixaram os respectivos clubes após forte pressão da torcida, especialmente das mulheres.
Para a pesquisadora, é fundamental que a cultura esportiva no país seja criada e renovada com maior participação feminina. Diante disso, Marina Perdigão, estudante do 7º período de Relações Públicas na Uerj e membro da torcida organizada Garra Tricolor, do Fluminense, relata observar uma presença mais forte das mulheres nas arquibancadas e com vozes cada vez mais ativas: “Consigo ver uma participação maior das mulheres, de se impor na arquibancada e de mostrar que ali também é um lugar para ela estar”, declara.
Foto: (Reprodução/ Arquivo Pessoal)
Marina Perdigão em um jogo do Fluminense pela torcida Garra Tricolor
Tricolor desde criança, Marina faz parte da Garra Tricolor desde 2011 e hoje ocupa o cargo de diretora administrativa da torcida. Apesar de reconhecer o crescimento do número de torcedoras nos estádios ao longo destes anos, ela afirma que o futebol ainda é um ambiente tóxico para as mulheres, especialmente pelo machismo latente na sociedade e no esporte.
Mesmo com o crescimento do futebol feminino nos últimos anos, Marina diz que a torcida permanece majoritariamente voltada para os jogos do masculino, mas revela observar mudanças: “Infelizmente é algo cultural”, comenta. Na fase final da Série A2 do Campeonato Brasileiro Feminino, segundo ela, algumas organizadas se mobilizaram para ir aos jogos contra o Botafogo e o Bragantino, mas destaca que ainda é um processo. Neste contexto, Leda Costa ressalta a necessidade de maior investimento e planejamento dos clubes no futebol feminino, para que sejam dadas condições dignas de jogo e, com seu desenvolvimento, consequentemente atrair cada vez mais a torcida também para a modalidade.
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