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Arbitragem no futebol brasileiro: entre tecnologia e controvérsias

Especialista explica como interpretação das regras e influência do VAR afetam andamento do Brasileirão


Foto: Pixabay


Em um campeonato marcado por polêmicas e decisões controversas, a arbitragem no futebol brasileiro enfrenta um dos seus momentos mais críticos. Entre acusações de corrupção, erros de interpretação e a implementação do Árbitro Assistente de Vídeo (VAR), a qualidade e a formação dos árbitros tornam-se pontos centrais de um debate que envolve desde dirigentes de clubes até torcedores indignados. O futebol, conhecido por unir paixões e dividir opiniões, encontra-se agora em uma encruzilhada tecnológica e humana.


Um dos casos mais emblemáticos ocorreu na partida entre Botafogo e Palmeiras, válida pela 31ª rodada do Campeonato Brasileiro, no dia 1 de novembro. A expulsão do zagueiro Adryelson gerou uma onda de revolta, especialmente após a virada do Palmeiras. John Textor, dono da Sociedade Anônima de Futebol (SAF) do Botafogo, expressou sua frustração criticando abertamente a decisão do árbitro Braulio da Silva Machado.


Foto: Cesar Greco/Palmeiras

Braulio Machado, árbitro do jogo, relatou gesto de dinheiro de Textor e xingamentos de dirigentes do Botafogo na súmula da partida

A Confederação Brasileira de Futebol (CBF), em resposta, divulgou os áudios das conversas do corpo de arbitragem para revelar o processo de decisão que levou à expulsão do jogador. Esse episódio ilustra a complexidade e a tensão envolvida nas decisões de campo, especialmente quando influenciam o resultado de uma partida acirrada.


A formação dos árbitros de futebol no Brasil segue um processo estruturado e rigoroso, conforme explica Rômulo Meira Reis, doutor em Ciências do Exercício e do Esporte e professor do Instituto de Educação Física e Desportos (IEFD) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). “Os profissionais de futebol no Brasil são formados pelas escolas de arbitragem das federações locais ou das federações estaduais”, ele detalha. Essas instituições, como a Escola de Árbitros da Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (Eaferj), estabelecem critérios como idade e escolaridade mínimas para os candidatos.


O curso inclui estudo aprofundado das regras do jogo, questões táticas, posicionamento em campo, além de exercícios práticos, testes de condicionamento físico, inglês, espanhol e práticas de primeiros socorros. No entanto, apesar dessa formação abrangente, os árbitros no Brasil enfrentam o desafio do reconhecimento profissional. Segundo o especialista, muitos precisam conciliar a arbitragem com outras carreiras, incluindo funções militares ou no serviço público.


Sobre o impacto do VAR no trabalho dos árbitros durante uma partida, Reis reforça que ele atua constantemente, não apenas em momentos críticos. “O VAR é uma ferramenta de importância e de relevância. Ele influencia e interfere no trabalho do árbitro principal”, esclarece o especialista. Esse sistema ajuda a checar lances específicos, como possíveis situações de pênalti — ou em faltas fora da área, desde que, na sequência, tenha ocorrido um gol — e impedimentos, mas a decisão final sempre cabe ao árbitro principal, que pode revisar os lances no monitor.


O VAR foi introduzido há seis anos no futebol brasileiro, estreando na final do Campeonato Pernambucano de 2017, com a promessa de reduzir erros de arbitragem, mas a realidade parece ser mais complexa. “A arbitragem em todo o mundo possui erros”, afirma Reis. Ele argumenta que os processos envolvem ação humana e que as falhas são, portanto, normais. O professor sugere que, apesar do VAR, a interpretação das regras continua sendo um desafio, levando a decisões inconsistentes e às vezes controversas.


Rômulo também menciona a complexidade de julgar lances como a mão na bola, quando a interpretação e a aplicação da regra são cruciais. De acordo com ele, o fato de árbitros diferentes interpretarem lances similares de maneiras distintas pode gerar confusões entre os torcedores.


Em uma partida atrasada da 15ª rodada entre Grêmio e Corinthians, no 18 de setembro, uma jogada nos minutos finais chamou a atenção. Yuri Alberto, atacante do Corinthians, foi acusado de tocar a bola com a mão dentro da área — um lance que, se penalizado, poderia ter alterado totalmente o resultado do jogo. Péricles Bassols, gerente técnico do VAR, em um vídeo divulgado pela CBF, esclareceu que o bloqueio da bola com o braço caracterizava infração de pênalti. No entanto, durante o jogo, o árbitro de campo, acompanhado pela equipe do VAR, decidiu não marcar a penalidade, uma decisão que gerou discussão entre jogadores, técnicos e torcedores.


Foto: Reprodução/Youtube/TV Grêmio

CBF admite erro em pênalti não marcado de Yuri Alberto

Em outro confronto mais recente entre as mesmas equipes, na 34ª rodada, uma decisão do VAR também foi alvo de críticas. O episódio envolveu Matheus Bidu, do Corinthians, que foi derrubado por um defensor do Grêmio na área. O árbitro de campo, Rodrigo Pereira de Lima, optou por não marcar pênalti, decisão que foi mantida após revisão do VAR, comandada por Rafael Traci.


Posteriormente, Wilson Seneme, presidente da comissão de arbitragem, admitiu que houve um erro na análise do lance pelo VAR. Ele disse que a equipe se concentrou na ação do atacante, negligenciando a avaliação da ação do defensor. Seneme frisou que, apesar da possível dramatização do atacante ao cair, a falta foi cometida e deveria ter sido penalizada.


Para Reis, o cenário da arbitragem no futebol brasileiro é marcado por uma falta de uniformidade nas decisões, mas não necessariamente por uma intenção de prejudicar certos clubes em detrimento de outros. Ele diz acreditar que a variedade de interpretações das regras contribui para a imprevisibilidade e a emoção do futebol, embora reconheça que erros grosseiros que afetam diretamente o resultado dos jogos precisam ser corrigidos.


Para abordar essas discrepâncias, o especialista sugere melhorias na comunicação entre árbitros, atletas e torcedores, e propõe a implementação de um sistema de desafios semelhante ao usado no voleibol: “A redução de pressão em relação ao VAR poderia acontecer com cada equipe tendo direito a um desafio solicitado pelo capitão da equipe durante a partida.” Essa inovação, segundo Reis, ajudaria a aliviar a pressão sobre os árbitros e traria mais clareza às decisões, contribuindo para um jogo mais justo e transparente.


Outra controvérsia aconteceu no clássico entre Flamengo e Fluminense, no dia 11 de novembro. Gabigol, atacante rubro-negro, foi expulso após um confronto com o zagueiro Nino, do Fluminense. O ex-árbitro Paulo César de Oliveira, comentando o caso, discordou da decisão de Wilton Pereira Sampaio. Para Oliveira, a expulsão de Gabigol foi injusta e mais influenciada por seu histórico do que pela infração em si.


Foto: Reprodução/Wagner Meier/Getty Images

Gabigol reclama após expulsão em Fla-Flu

Reis afirma que o conhecimento do árbitro sobre o histórico de um jogador pode influenciar suas decisões. Por exemplo, alguém conhecido por frequentemente reclamar ou desrespeitar a arbitragem pode ser mais suscetível a receber cartões. Rômulo cita o caso de Abel Ferreira, técnico do Palmeiras, conhecido por acumular penalizações devido ao excesso de reclamações, para ilustrar como o comportamento contínuo pode afetar o julgamento dos árbitros.


"Críticas fazem parte, positivas ou negativas"


Foto: Márcia Bezerra/Arquivo pessoal

Márcia Bezerra, árbitra assistente da CBF

Márcia Bezerra Lopes Caetano, árbitra assistente rondoniense que integra o quadro da CBF desde 1998, descreve os desafios físicos e mentais da profissão — como a falta de estrutura para treinamento e a recuperação entre as viagens —, e reforça a necessidade de resiliência diante das críticas e pressões. “As críticas fazem parte, positivas ou negativas. Tento absorver o que realmente me ajuda a desenvolver bem o meu trabalho”, diz Márcia.


Rômulo e Márcia concordam que mudanças são necessárias para melhorar as condições de trabalho e a percepção pública dos árbitros. Ela defende a oficialização da profissão, o que permitiria uma dedicação integral e, consequentemente, uma melhoria na qualidade da arbitragem. Sobre o VAR, a árbitra assistente é positiva: “O trabalho do VAR é essencial para o futebol, menos erros, justiça para o futebol e uma linha de segurança para a arbitragem.”


A International Football Association Board (IFAB), órgão responsável por regulamentar as regras do futebol, está considerando mudanças significativas para reduzir a agressividade e as reclamações dos jogadores com os árbitros. Entre as propostas está a implementação de uma expulsão temporária, uma ideia já testada em competições de base na Inglaterra. A possibilidade de limitar a comunicação com os árbitros apenas aos capitães das equipes também está em discussão.


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