Internet foi essencial para mudar a imagem das pacientes que enfrentam a doença
Desde que começou a estudar o processo de adoecimento das mulheres com câncer de mama, há 20 anos, a pesquisadora Waleska Aureliano, professora do Instituto de Ciências Sociais da Uerj, percebeu uma mudança na forma como a sociedade enxergava essas pacientes. E também na forma como elas se viam. Passaram de vítimas a guerreiras, e, para a pesquisadora, a internet foi o fator determinante nesse processo.
Graças ao compartilhamento de experiências na internet, mulheres conseguiram relatar suas experiências e conheceram relatos de quem estava passando por uma situação parecida. Para chegar a essa conclusão, Waleska comparou grupos de apoio a mulheres com câncer de mama que acompanhou em dois momentos distintos: os grupos presenciais, no interior da Paraíba, que estuda desde 2004; e os on-line, que passou a estudar a partir de 2015. Ela percebeu que, nos últimos anos, o alcance dos depoimentos era muito maior, e que as discussões se tornaram mais amplas.
Waleska salienta que esse processo ocorreu de forma atrasada no Brasil, apenas a partir de 2015, quando, em países como Inglaterra e Estados Unidos, esse processo se iniciou no início da década passada.
Reprodução: Ministério da Saúde
A pesquisa de Waleska mostra que, em geral, são mulheres mais jovens que ganham maior visibilidade na luta contra o câncer, ainda que, segundo dados do INCA (Instituto Nacional de Câncer), a maior incidência de casos de câncer de mama ocorra a partir dos 50 anos. O ponto positivo das influenciadoras mais jovens é que elas trouxeram para debate pontos pouco comentados sobre este tema, como a infertilidade causada pelo tratamento – e isso permite discutir outros pontos, como o congelamento gratuito de óvulos pelo sistema público de saúde e a restrição de órgãos públicos de contratar mulheres que estejam dentro do período de 5 anos considerado como “janela” para considerar o câncer curado.
O abandono das mulheres doentes pelos maridos é outro ponto discutido pelas pacientes e abordado na pesquisa. De acordo com dados da Sociedade Brasileira de Mastologia, 70% das mulheres são abandonadas por seus parceiros durante o tratamento.
O novo lugar - social e simbólico - da mulher com câncer de mama também provocou uma rediscussão dos padrões estéticos. As mulheres que precisam retirar uma ou as duas mamas se sentem mais livres para, caso desejem, não fazerem a reconstrução dos seios. A Lei 9.797, de 1999, obriga que esse serviço seja oferecido pelo Sistema Único de Saúde, mas o acesso ainda é dificultado pela burocracia. A perda de cabelo, efeito comum durante o tratamento, deixa de ser vista como “uma vergonha” a ser obrigatoriamente encoberta por lenços ou por perucas. Segundo a professora, o processo é ainda mais profundo para mulheres pretas, que, ao perder o cabelo, sentem-se encorajadas a passar pela transição capilar e retomar os cachos.
Reprodução: Shutterstock
A pesquisadora Walesca também analisa as campanhas de prevenção e afirma que, embora sejam essenciais para mostrar a essas mulheres que elas não estão sozinhas, ainda colocam o peso todo do diagnóstico para a mulher. Em sua avaliação, as campanhas ainda focam no autoexame e na busca por um médico para serem feitos os exames complementares, sem cobrar que o sistema público de saúde ofereça acompanhamento prévio, diagnóstico rápido e tratamento imediato. A Lei 12.732, de 2012, afirma que o tratamento deve ser iniciado no máximo em 60 dias após o diagnóstico, mas em alguns casos a espera chega a mais de 75 dias.
As mulheres negras são ainda mais afetadas por esse discurso e pelo sistema precário. Apesar de a incidência nesse grupo ser menor, a letalidade é muito alta, já que elas já chegam aos hospitais com a doença em graus mais avançados. Segundo a professora, isso se dá pela jornada dupla ou tripla, e que dificulta os cuidados com a saúde.
Iniciativas produzem perucas para recuperar a autoestima de mulheres
Apesar da revalorização da mulher com câncer de mama e do movimento para que as mulheres assumam a careca resultante do tratamento, muitas ainda não se sentem confortáveis com o resultado e buscam alternativas. Muitas optam por lenços, enquanto outras buscam as perucas.
A Fundação Laço Rosa criou o projeto Força na Peruca, que roda o Brasil inteiro formando profissionais capazes de produzir perucas para essas mulheres, aumentando o número de beneficiadas pelo país. Em São Paulo, a ONG Cabelegria recebe doações e produz perucas com cabelo natural. O Estado do Rio de Janeiro, em 2019, criou um banco de perucas para atender cerca de 60 mulheres por mês. O projeto foi feito em parceria com a Cabelegria e o Instituto COI.
Os dois institutos recebem doações de cabelos. Para doar é necessário que as mechas tenham no mínimo 20 centímetros e estejam limpas. Não há problema caso o cabelo tenha passado por química.
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