Professor emérito da UFRJ discutiu ganhos e riscos da sociedade digital em aula inaugural na FCS
Num ano com mais de 70 eleições pelo mundo, um alerta: as redes sociais potencializam a ausência de aprofundamento histórico, e isso beneficia políticos de extrema direita. O aviso foi feito pelo professor emérito da UFRJ Muniz Sodré na aula inaugural da aula inaugural da Faculdade de Comunicação Social (FCS) da Uerj, no último dia 21 de março.
Baiano, candomblecista, jornalista, formado em direito, sociólogo, capoeirista, Muniz Sodré é, aos 82 anos, um dos principais pensadores da comunicação no Brasil. Dono de uma obra múltipla, escreveu livros obrigatórios para sucessivas gerações, como A Comunicação do Grotesco e O Monopólio da Fala. Seus penúltimo livro, A Sociedade Incivil (2021), analisa o caminho pelo qual a cultura do algoritmo levou a uma sociedade incivilizada, que rejeita cidadania, diferenças e pensamento crítico para privilegiar o desmonte da política.
Na análise de Muniz, a anarquia da internet não é uma distopia ou um desvio, mas sim um status quo próprio do ambiente digital. “Nenhuma cultura resiste à sua digitalização”, afirmou, destacando que o ambiente digital se retroalimenta dessas ruínas e da ausência de história. Para ele, nas redes nada acontece como um caso isolado e nada acontece como exceção à estrutura – tudo está previsto. E a falta de regulamentação sobre o que é ou não permitido nas redes torna ainda mais corriqueiros os ataques à democracia.
Segundo o professor, a estrutura das redes sociais serve para beneficiar políticos de extrema direita. “A tecnologia se ausenta de História”, aponta. Na sua perspectiva, ao invés de um debate de ideias, muitas vezes essas redes privilegiam ataques preconceituosos, ideias supremacistas e suspeitas infundadas sobre o sistema eleitoral. Donald Trump, nos Estados Unidos, Javier Milei, na Argentina, Jair Bolsonaro, no Brasil, e Recep Erdogan, na Turquia, são apenas alguns exemplos que “surfaram” nessa ausência de história.
Essa fragilidade da democracia está presente no levantamento realizado pela Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos, da Safernet Brasil. A ferramenta registrou em 2022 mais de 74 mil denúncias de crimes de ódio nas redes sociais em todo o país, um aumento de 67% em relação ao ano anterior. É o maior contingente de denúncias contra crimes de ódio da série histórica. Só os casos de xenofobia cresceram quase 900%, enquanto os relatos de intolerância religiosa subiram 456% em relação a 2021, segundo a instituição.
De acordo com Muniz Sodré, existe uma vontade humana comum a todos os seres: a necessidade de integração. Isso também se aplica às redes e leva o indivíduo a reproduzir determinados discursos preconceituosos, mas isso não o isenta de responsabilidade sobre o que propaga. As redes passam a abrir espaço para discussões e visões preconceituosas. Sem regulamentação, sem mediação pelas redes e com um forte sentimento de impunidade, o ódio se instaura no ambiente. “Nenhuma cultura resiste à sua digitalização. Não é que as pessoas por trás das postagens sejam maldosas, o ódio é que é veloz”, completa.
Em ano de eleições municipais no Brasil, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) anunciou que vai reforçar a segurança no âmbito digital. Decisão recente do TSE proíbe o recurso a deep fakes e determinou que o uso de inteligência artificial seja informado explicitamente ao leitor e proibiu explicitamente o uso de recursos de IA para simular a interlocução do candidato com o eleitor. O debate sobre os limites e a regulação das redes sociais se estende para diversos países da União Europeia, Estados Unidos e México. Apesar da complexidade do tema, existe um consenso entre os tribunais eleitorais no mundo sobre a urgência de mitigar os impactos negativos da internet nas eleições.
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