Com foco em biomas nacionais, nova versão do documento exibirá imagens realizadas por docente do Instituto de Biologia
Jacaré, boneca de palha e coruja. Esses são alguns elementos escolhidos para ilustrar as páginas do novo passaporte brasileiro, que começou a ser emitido em outubro pela Casa da Moeda e Polícia Federal. Esta versão, intitulada “Biomas Brasileiros e Aspectos Culturais”, destaca a flora, a fauna e a diversidade do território brasileiro, além de valorizar a fotografia científica. O professor Antonio Carlos de Freitas, do Instituto de Biologia Roberto Alcantara Gomes (Ibrag) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) participou do projeto e é um dos autores das imagens do documento.
Tudo começou há alguns anos, quando, ao oferecer um curso no Instituto de Biologia, o professor Antonio Carlos conheceu uma aluna que, após o período das aulas, se tornou desenhista da Casa da Moeda do Brasil (CMB). Por intermédio dela, a instituição monetária o convidou para participar do projeto. “Eles me procuraram para desenvolver algumas imagens durante as expedições que faríamos”, explica Antonio Carlos, que também é coordenador do BioCenas – Núcleo de Fotografia Científica Ambiental, vinculado ao Departamento de Inovação da Uerj.
Algumas fotos que ilustram o novo passaporte brasileiro (Reprodução: Uerj)
Com mais de 500 mil imagens – reunidas ao longo de 15 anos de trabalho – em seu acervo pessoal, o professor cedeu algumas para serem usadas no passaporte. Também participou de mais três expedições realizadas a fim de obter mais informações e fotos, de acordo com a pauta estabelecida. Cada viagem durou dez dias, sendo a primeira para o Pantanal Norte, passando por Cuiabá, onde a equipe percorreu a Chapada dos Guimarães; a segunda para Juazeiro, na Bahia, Petrolina, em Pernambuco, e o Parque Nacional das Capivaras, no Piauí. Por fim, a equipe percorreu 2.200 km do Rio Grande do Sul, desde o litoral e os pampas até as serras gaúchas. Todas as viagens foram acompanhadas por uma pessoa da Casa da Moeda.
O projeto usa o conceito de fotografia científica, que busca mostrar as imagens de modo fiel à realidade. É diferente da fotografia artística, na qual o artista tem liberdade para modificar as imagens como preferir. Na fotografia científica é necessário ser condizente com a informação que se pretende transmitir através da imagem. E seguir algumas regras, como não mudar as cores do objeto fotografado e determinar uma escala, referência de tamanho para auxiliar na transmissão de informações para o observador da foto.
Para o professor Antonio Carlos, arte e ciência sempre estiveram relacionadas, principalmente na história da ciência evolutiva. Artistas como Michelangelo e Leonardo Da Vinci também eram cientistas e usavam a arte para transmitir informações acerca de campos da biologia. “Um ponto interessante é que na história da fotografia ela sofreu um boicote dos artistas por acharem que a instantaneidade fotográfica iria decretar a morte da pintura – que era uma tarefa demorada”, lembra o professor. O biólogo cita como exemplo de união entre essas duas artes a artista científica Margaret Mee, que pintava bromélias usando a fotografia como base.
Jacaré do Pantanal; boneca de palha de milho, artesanato típico gaúcho; berrante usado para tocar o gado no Pantanal e coruja buraqueira na Mata Atlântica são algumas das imagens presentes no passaporte (Reprodução: Antonio Carlos Freitas)
Por questões de segurança, as imagens no interior do passaporte passam por um tratamento para a inserção de uma espécie de marca d’água. As imagens não aparecem completas, mas ainda assim é possível distinguir o conteúdo. Também por motivo de segurança, algumas imagens só podem ser vistas na luz ultravioleta. A CMB também possui um software próprio – adquirido apenas por instituições monetárias do mundo – que consegue extrair a imagem da fotografia e aplicar no passaporte de maneira segura. O novo modelo é considerado a versão mais segura do passaporte brasileiro e será emitido no exterior em 2024.
Durante seis anos, o projeto permaneceu em sigilo absoluto, por envolver questões de segurança apresentadas pela Casa da Moeda e pela Polícia Federal. “Apenas a minha esposa sabia, e isso foi bastante difícil. Estava fazendo um trabalho que deixaria a minha marca no passaporte brasileiro… e não poder contar para ninguém foi bastante complicado”. Nem mesmo a Uerj sabia do projeto. Para liberar o professor paras viagens, o Instituto de Biologia sabia apenas que era uma viagem com a Casa da Moeda. Só em maio deste ano Antonio Carlos foi liberado do sigilo.
Interior do novo passaporte brasileiro (Reprodução: TV Brasil)
A nova versão do passaporte brasileiro foi premiada pela High Security Printing como “Melhor Novo Passaporte da América Latina”, na categoria “Documento de Identificação Regional do Ano”. O professor só soube da premiação durante a entrevista para a repórter da Agenc, e se mostrou feliz com a conquista. “Esse reconhecimento por parte do meu trabalho torna ainda mais emocionante essa história. Imaginar que qualquer brasileiro que saia do país está carregando uma imagem minha é imensurável e gratificante”. O biólogo complementou afirmando que essa conquista não é apenas dele, mas também da Universidade.
Em fevereiro deste ano, o professor teve a oportunidade de conhecer o local de produção do passaporte como “Amigo da Casa da Moeda do Brasil”. Recebeu medalha e homenagem pela sua participação. Ao ser perguntado sobre qual seria a sua fotografia favorita, Antonio Carlos respondeu que ainda não realizou uma favorita: “É um trabalho de constante evolução profissional. Às vezes a beleza não é a foto em si, mas a história por trás dela e o que ela representa”. O professor é formado em física nuclear e tem mestrado em biologia na Uerj, com doutorado em biofísica na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
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