Clubes das séries A e B do campeonato brasileiro buscam acabar com a disparidade de valores recebidos por Flamengo e Corinthians, advindos das cotas de transmissão
Representantes de membros da Libra em reunião da Liga na Federação Paulista de Futebol. Foto: Divulgação Libra
Na temática da desarmonia financeira entre os clubes do futebol nacional voltam-se os olhos para uma antiga desarmonia entre os times do Eixo Rio-SP contra os demais grandes clubes do nosso futebol. Mas essa desigualdade não é uma exclusividade dos clubes de fora do Eixo, mas ela se dá pela discrepância dos valores pagos aos dois times de maiores torcidas no cenário nacional: Flamengo e Corinthians.
Em 2019 entrou em vigor um novo método para a distribuição das cotas das emissoras, inspirado em modelos bem-sucedidos na Europa. A Rede Globo e o grupo Turner são as emissoras responsáveis por adotar esse modelo. Até 2018 a distribuição era feita por acordos unilaterais, ou seja, a emissora negociava diretamente com cada clube, separadamente. A partir de 2019 os clubes que assinam com a Rede Globo e o Grupo Turner (emissoras que possuem os direitos televisivos do campeonato brasileiro até 2024),
fazem parte de um sistema que distribui a verba a partir de predeterminações.
Na Rede Globo, a televisão aberta dispõe de R$ 600 milhões e a televisão fechada (Sportv), destina R$ 500 milhões para distribuição. Valores passaram a ser divididos da seguinte forma.
- 40% divididos igualmente entre todos os clubes;
- 30% divididos conforme o número de jogos transmitidos;
- 30% divididos de acordo com a posição final na tabela;
Já o Grupo Turner, de televisão fechada distribui cerca de R$ 520 milhões com os seguintes critérios.
- 50% divididos igualmente por todos os clubes;
- 25% divididos conforme a audiência dos jogos;
- 25% divididos de acordo com a posição final na tabela;
Vemos nesses dados que já há uma busca por um maior equilíbrio na divisão das cotas disponíveis. O que realmente desequilibra são as assinaturas de pay-per-view. No começo, em 2016, a Globo acordou com os clubes que distribuiria R$ 650 milhões a todos os times da série A, conforme pesquisa na base de dados de assinantes. Entre 2017 e 2018, os clubes com problemas financeiros passaram a procurar a emissora. A Globo cedeu, mas quis renegociar com os clubes, tentando diminuir a receita inicial e fazendo com que os clubes abrissem mão dos valores mínimos postos em contrato anteriormente.
Mas a emissora não esperava que Flamengo, Corinthians, Palmeiras e Grêmio negassem a proposta. No final das contas, todos os clubes receberam menos do que o acordado, exceto esses 4, Flamengo, por exemplo, foi o único que expôs o valor mínimo acertado em contrato, possuía um valor mínimo de R$ 120 milhões. Para efeito de comparação, em 2022, Flamengo e Corinthians receberam, respectivamente, R$ 160 milhões e R$ 110 milhões, o clube abaixo dos dois líderes é o São Paulo com R$ 36 milhões, escancarando a discrepância dos valores pagos aos demais clubes.
Evidenciando a escolha da Globo de concentrar a maior parte dos valores, sem sintonia com as audiências alcançadas pelos demais clubes. Não está em discussão se esses clubes devem receber mais, igual ou menos que os outros, mas debater até que ponto a valorização do tamanho das torcidas é justa e contribui para a desigualdade do nosso futebol. Enxergamos com bons olhos a união de diversos clubes para propor novos modelos de divisão das cotas televisivas através da criação de uma liga de clubes independente, com propostas distintas, mas em busca de uma melhor redistribuição das cotas.
De um lado temos a Liga do Futebol Brasileiro (Libra), cuja os integrantes são: Bahia, Botafogo, Cruzeiro, Corinthians, Flamengo, Grêmio, Guarani, Ituano, Mirassol, Novorizontino, Palmeiras, Ponte Preta, Bragantino, Sampaio Corrêa, Santos, São Paulo, Vasco e Vitória, com uma proposta de mudança gradual. Hoje a métrica mais usada para definir o equilíbrio entre as cotas está na discrepância entre o primeiro e o último, ou seja, o clube que mais recebe e o clube que menos recebe. Atualmente, essa diferença é de seis vezes. A proposta da Libra consiste em ir reduzindo a diferença com o passar dos anos, conforme a receita vai aumentando, disparidade nos pagamentos diminui.
Receita | Diferença |
R$ 2 Bilhões | 4,72 Vezes |
R$ 2,5 Bilhões | 3,85 Vezes |
R$ 3 Bilhões | 3,85 Vezes |
R$ 3,5 Bilhões | 3,59 Vezes |
R$ 4 Bilhões | 3,34 Vezes |
R$ 4,5 Bilhões | 3,34 Vezes |
R$ 5 Bilhões | 3,34 Vezes |
Fonte: Libra
Essa simulação assume premissas como as audiências registradas em 2021 e as posições na tabela do Brasileirão dos últimos anos.
Receita | R$ 2 Bilhões | R$ 2,5 Bilhões | R$ 3 Bilhões | R$ 3,5 Bilhões | R$ 4 Bilhões |
Flamengo (1º) | R$ 236 Milhões | R$ 249 Milhões | R$ 299 Milhões | R$ 338 Milhões | R$ 375 Milhões |
Cuiabá (20º) | R$ 50 Milhões | R$ 65 Milhões | R$ 78 Milhões | R$ 94 Milhões | R$ 112 Milhões |
Diferença | 4,72 | 3,85 | 3,85 | 3,59 | 3,34 |
Fonte: Libra
Mesmo com tais projeções os valores são mutáveis e dependem de uma série de fatores. Botafogo e Santos, por exemplo, receberiam cerca de R$ 80 milhões nos anos iniciais mas podem aumentar sua participação ao total caso consiga posições melhores na tabela ou tenham um aumento na audiência.
Membros da LFF em reunião de divulgação do projeto. Foto: Divulgação LFF
Por outro lado, se criou a Liga Forte Futebol (LFF), que defende o uso de um modelo que se iguale ao usado na Premier League, primeira divisão do campeonato inglês, onde a diferença entre o primeiro e o último é de 1,5 vez. A LFF é formada pelos seguintes clubes: América-MG, Athletico-PR, Atlético-GO, Atlético-MG, Avaí, Brusque, Chapecoense, Coritiba, Ceará, Criciúma, CRB, CSA, Cuiabá, Fluminense, Fortaleza, Goiás, Internacional, Juventude, Londrina, Náutico, Operário, Sampaio Corrêa, Sport, Vila Nova e Tombense, que defendem que o maior entrave para a criação de uma liga unificada é a distribuição das cotas do pay-per-view, da Rede Globo, que ao mesmo tempo que paga R$ 160 milhões ao Flamengo e R$ 110 milhões ao Corinthians, como visto anteriormente, paga apenas R$ 2,8 milhões ao Fortaleza, que disputou as mesmas competições que esses dois clubes no cenário nacional.
"É por isso que defendemos uma divisão mais justa de recursos na criação da liga de clubes no Brasil. Um campeonato mais equilibrado atrai mais investidores e assim todos crescem. O melhor exemplo é a Premier League, onde clubes de porte médio conseguem fazer grandes investimentos. Na liga inglesa, a diferença entre o que mais ganha e o que menos ganha é muito baixa", disse Marcelo Paz, presidente do Fortaleza.
Já o Internacional, um dos clubes mais vitoriosos do país, recebe "apenas" R$ 18,8 milhões. É o nono na lista dos que mais faturam de PPV. "São muitas as questões a serem debatidas e melhoradas, como calendário, estádios, arbitragem, todas as alternativas possíveis de comercialização. Mas entendemos que a divisão desses recursos deve seguir os exemplos de ligas bem-sucedidas no mundo. Essa redução na desigualdade fará com que tenhamos um produto mais valorizado, competitivo e, portanto, com ganhos significativos para que todos os clubes façam frente às exigências necessárias para construir um produto mais forte", disse Alessandro Barcellos, presidente do Internacional.
A formação da LFF surge em contraponto à Libra, cuja a proposta de divisão dos valores não agradou a boa parte dos times das séries A e B do Brasileirão, a LFF acusa a Libra de ser conservadora e de proteger os interesses de Flamengo e Corinthians. A Liga Forte Futebol, propõe uma divisão um pouco diferente da proposta da Libra.
- 45% divididos de forma igualitária entre os clubes;
- 25% divididos conforme o desempenho dos clubes;
- 30% divididos por audiência e engajamento;
Flamengo | R$ 221,5 milhões |
Corinthians | R$ 219,1 milhões |
Palmeiras | R$ 216,7 milhões |
São Paulo | R$ 214,8 milhões |
Internacional | R$ 214,4 milhões |
Atlético-MG | R$ 213,5 milhões |
Santos | R$ 210,8 milhões |
Cruzeiro | R$ 210,3 milhões |
Grêmio | R$ 209,4 milhões |
Vasco | R$ 208,5 milhões |
Fluminense | R$ 208,3 milhões |
Athletico-PR | R$ 199,2 milhões |
Botafogo | R$ 181 milhões |
Fonte: Lance
Analisando francamente as propostas, as reuniões e tudo nesse assunto, vemos que qualquer que seja o modelo de divisão adotado, essa discrepância entre os clubes pode estar perto do fim, basta agora diretorias competentes e gestões profissionais, para a evolução de seus respectivos clubes, que seja em um processo disruptivo ou um processo gradual, e há de se notar também todos os clubes olhando muito para si e defendendo apenas seus próprios interesses, no momento em que a pressa de uns e a passividade de outros atrapalham o coletivo, inclusive apressados e passivos.
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