Análise de pesquisadora da Uerj avalia que dados oficiais sobre o crime no Estado ainda são subestimados
O Rio de Janeiro registrou 97 feminicídios em 2022 - foram 97 mulheres mortas apenas por serem mulheres. E outras 293 tentativas de feminicídio - um aumento de 11% em relação ao ano anterior. Esses são os dados oficiais do Instituto de Segurança Pública do Estado (ISP). Mas esses números podem ser ainda maiores.
É o que alerta a pesquisadora Isadora Sento-Sé, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Ao analisar as ocorrências de feminicídios no Rio, ela se deparou com uma surpresa: de modo geral, os operadores de direito compreendem o contexto familiar como elemento central para tipificar determinadas mortes como feminicídio. Mas Isadora localizou casos de assassinatos de mulheres que, como não estavam vinculados ao contexto familiar, não foram classificados como feminicídios. Ela trabalhou com dados do ISP, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e processos do sistema de Justiça criminal.
“Por conta dessa atribuição, é possível falar que os números de feminicídio são subestimados. Muitas violências contra mulheres não chegam a ser classificadas como feminicídio e consequentemente, não aparecem nos dados oficiais”, afirma Isadora. Ela também buscou identificar os fatores de risco relacionados à violência de gênero para, a partir disso, abrir uma discussão acerca da prevenção do crime.
Em 2022, 97 mulheres foram mortas no Rio de Janeiro (Divulgação: Freepik)
Idealizado como uma pesquisa de doutorado, o estudo levou cerca de cinco anos para ser concluído. Isadora afirma que durante esse tempo teve dificuldades para conseguir acesso aos dados do sistema de Justiça Criminal e teve autorização somente após dois anos. Além de analisar dados, a pesquisadora também participou de júris, palestras, entrevistas e conferências internacionais, no intuito de conseguir uma perspectiva mais ampla acerca do assunto explorado. “Algumas vezes ocorreram situações de intimidação, mas não era a norma. O habitual era a transparência”, explica a pesquisadora.
No Brasil, o combate ao feminicídio está atrelado à denúncia feita pela vítima. Pelos dados de 2022, 70% das mulheres vítimas de feminicídio nunca denunciaram agressões. “Muitas dessas mulheres enxergam seus agressores como pais de seus filhos e sentem medo, então é compreensível essa relutância em denunciar”.
Isadora também explica que em contextos de maior vulnerabilidade social o feminicídio tende a ser maior. Segundo ela, isso acontece – em parte – porque a mulher não considera a polícia como uma instituição confiável e que a protegerá. Ela disse que entrevistou 40 mulheres da Maré vítimas de violência de gênero, e nenhuma delas havia feito denúncia, pois muitas não confiavam na polícia. O Rio de Janeiro ocupa o terceiro lugar entre os estados com o maior número de casos de feminicídios no país.
Casos de tentativas de feminicídio durante 2022 no Brasil (Reprodução: Ana Cândida)
Isadora ressalta que o principal fator que auxilia na prevenção à violência de gênero é a capacitação dos profissionais que trabalham no campo de assistência feminina – incluindo médicos, policiais, psicólogas e advogadas. Atualmente, a Polícia Civil conta com um núcleo de combate ao feminicídio dentro das Delegacias de Homicídios, no intuito de qualificar esse trabalho. Há casos que inicialmente entram com indícios de feminicídio, mas não são investigados nessa classificação desde o começo. Porém, quando a investigação é conduzida dessa maneira, ela dificilmente é alvo de um olhar mais atento para a violência de gênero de modo geral.
A Uerj participou este ano do seminário "Campanhas e ações de prevenção à violência de gênero no Brasil 2000-2018". No evento foram debatidas as campanhas e ações de prevenção feitas no Brasil, e Isadora participou de uma mesa acerca do sistema judicial. A pesquisadora destaca que muitas das ações feitas no Brasil focam na punição dos agressores, sem dar muita importância à prevenção. “Muitas dessas ações orientavam a mulher a denunciar porque assim o agressor teria as consequências. O curioso é que poucas eram voltadas para a prevenção primária, evitar que a violência aconteça, e não deixar para ter a punição apenas depois que a vítima é violentada ou até assassinada.”
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