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Foto do escritorLeonardo Siqueira

O centenário dos Camisas Negras

Evento promovido pelo Laboratório de Mídia e Esporte discutiu o marco do histórico time cruzmaltino e a atualidade do debate sobre o racismo no esporte


Foto: Reprodução/ Arquivo CRVG

Time do Vasco campeão carioca de 1923 conhecido como os Camisas Negras


Em 1923, a conquista dos Camisas Negras, do Vasco da Gama, fazia história e se tornava um marco na luta contra o racismo no futebol brasileiro. História essa que perdura até os dias atuais, 100 anos depois. Diante de seu centenário e dos inúmeros casos recentes de racismo no esporte, o Laboratório de Mídia e Esporte (Leme), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), promoveu, no último dia 15 de junho, o seminário “Virada Histórica: o centenário dos ‘camisas negras’ e o racismo no futebol”.


Com o intuito de relembrar o episódio que marcou a luta pela inclusão e popularização do futebol e discutir sobre o racismo na atualidade, o evento contou com a participação dos palestrantes Walmer Peres, coordenador do Centro de Memória do Club de Regatas Vasco da Gama, e Antonio Jorge Soares, professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sob a mediação de Hugo Moraes, doutor em História Comparada pela UFRJ e mestre em História Social da Uerj.


Fundação do Vasco


O Club de Regatas Vasco da Gama foi fundado no final do século XIX como um clube de remo, o esporte mais popular à época, no Rio de Janeiro. Walmer Peres ressalta que, um dos objetivos da fundação do clube, foi ressignificar a imagem do imigrante português na capital do país, publicamente associado à ideia de decadência e atraso civilizacional. A atitude de fundar o clube, portanto, partiu do movimento voluntário de negociantes e empregados do comércio da cidade do Rio de Janeiro, majoritariamente portugueses, conforme destaca Walmer.


O palestrante explica que o Vasco usou desse seu poder de ressignificação dessa imagem pública do português como uma forma de alcançar grandeza esportiva: “Cada vez mais o Vasco vai se tornar um representante, no esporte, dessa imensa colônia”, declara. Dessa forma, o clube passou a alcançar representatividade e popularidade na cidade por conta de sua política assimiladora.


Já em 1925, surge, então, o setor de futebol no Vasco. Walmer esclarece que o clube seguia enfrentando o sentimento de antilusitanismo da época, recorrendo a uma reação moderna e capitalista, que já se interessava pelo crescente mercado do futebol.


Os Camisas Negras


O time do Vasco de 1923 marcou história no futebol brasileiro. Com uma campanha com 11 vitórias, dois empates e apenas uma derrota, os Camisas Negras conquistaram o primeiro título de campeão carioca da história do Vasco com um time formado por jogadores negros e de camadas sociais populares, derrotando a elite do futebol carioca composta majoritariamente por atletas brancos. Para Walmer Peres, tal feito ficou marcado por contribuir para a democratização e popularização do futebol nacional, a partir do sucesso esportivo do negro e do branco de baixa condição social na liga de futebol mais poderosa da capital do país.


Segundo ele, o grande êxito do clube não foi apenas contar com jogadores negros em seu elenco, até porque não foi o pioneiro nesta prática, mas sim montar um projeto vencedor com esses atletas e lutar para que ele se mantivesse mesmo após conseguir alcançar um patamar superior. No entanto, Walmer chama atenção para o fato de que, no contexto da sociedade do início do século XX, ainda era incompatível se pensar em uma política e cultura antirracista, mas que isso não diminui a importância da conquista para a popularização e democratização do esporte. Ele destaca ainda que o Vasco não se rendia aos interesses dos demais grandes clubes do Rio de Janeiro, permanecendo fiel ao seu propósito de dialogar com as classes populares.


Foto: Leonardo Siqueira

Evento promovido pelo Leme atraiu diversos vascaínos para ouvir sobre a história do clube


A história e o presente


Antonio Jorge Soares, por sua vez, promove o debate sobre a maneira como os excluídos do futebol foram tratados por membros da academia ao longo dos anos. Segundo ele, a obra de Mário Filho, “O Negro no Futebol Brasileiro”, era considerada como fonte definitiva de dados sobre a história social do futebol no país e, por isso, apenas determinado ponto de vista foi sendo repassado ao longo dos anos. O texto apresentava uma construção épica na qual o negro era apresentado como um personagem heróico, deixando de abordar importantes aspectos históricos e outros excluídos do futebol.


Além disso, o professor ressalta a importância de se debater o racismo no esporte e na sociedade nos dias atuais. Ele cita como exemplo os recentes casos de racismo contra o jogador brasileiro Vinícius Júnior e destaca a força da repercussão mundial diante desses atos criminosos: “Reação foi mais forte do que o ato.”


No contexto atual, Walmer Peres, coordenador do Centro de Memória do Club de Regatas Vasco da Gama, afirma que a história dos Camisas Negras faz parte do marketing do clube cruzmaltino, mas que ações devem ir além de discursos e ações publicitárias: “Não pode ficar parado somente no produto, tem que representar uma cultura institucional.” Dessa forma, ele esclarece que o clube busca construir uma consciência antirracista e fazer com que suas práticas dialoguem com discursos de inclusão e diversidade.


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