No Brasil, doação é voluntária; bancos de sangue sofrem com baixos estoques e falta de doadores
Campanha de doação de sangue do HUPE. Foto: Maria Eduarda Mariano
Em uma quarta-feira de novembro, debaixo de sol forte das 10 horas, o motorista de aplicativo Acival Santos, 51 anos, espera o irmão em frente ao banco de sangue do Hospital Pedro Ernesto. Os dois doam sangue desde jovens. Perguntado se doaria o sangue em troca de dinheiro, responde: “Salvar vidas não tem preço. A vida é muito preciosa.” E diz que, para ele, “doar sangue é uma questão de solidariedade.”
Esse não é o pensamento que prevalece na cabeça de muitos brasileiros, entre eles, o senador Nelsinho Trad (PSD-MS). Ele é o autor da chamada PEC do Plasma, uma proposta de emenda constitucional que visa permitir a comercialização do plasma humano pelo setor privado. Além de permitir a venda do plasma por bancos de sangue particulares, a proposta também incluía uma permissão para que a iniciativa privada realizasse a “coleta remunerada do plasma humano”, inserida pela senadora Daniella Ribeiro (PSD-PB). Diante de críticas dos outros senadores, ela retirou o trecho, mas propõe outras compensações a serem aplicadas aos doadores.
Antes de entender a PEC, porém, é preciso entender o que é plasma. O plasma sanguíneo é a parte líquida do sangue, responsável por transportar nutrientes e gases para todo o corpo humano. Ele representa 55% do tecido sanguíneo e pode ser usado para tratar de traumas grave, de problemas na coagulação e para a criação de hemoderivados que são medicamentos feitos a partir do plasma.
O plasma recolhido por bancos de sangue privados e não utilizado em transfusões é enviado de forma gratuita ao SUS a fim de serem produzidos os hemoderivados. Esses medicamentos são feitos pela empresa estatal Hemobrás (Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia). As demandas que a empresa não consegue atender são enviadas ao exterior para serem produzidas por empresas internacionais.
Em 2010 foi iniciada a construção de um parque industrial em Goiana, PE, que vai servir para que o tratamento do sangue seja totalmente nacional. Porém, até agora a construção não chegou ao fim fazendo o país continuar dependente de outros países, como por exemplo a Suíça.
Caso a PEC do Plasma seja aprovada, empresas privadas terão autorização para comercializarem o plasma - hoje enviado de forma gratuita ao SUS - além de permitir que concedam benefícios em troca das doações de sangue.
Flávia Bandeira, hematologista do HUPE. Foto: Maria Eduarda Mariano
Para a hematologista Flávia Bandeira, especialista em hemoterapia e profissional da área há quase trinta anos, chefe do banco de sangue do Hospital Pedro Ernesto, a PEC do Plasma, se for aprovada, é um retrocesso em relação à Lei do Sangue de 2001: “A Lei do Sangue coloca o sangue como estratégia de defesa e saúde do país, que a doação não pode ser remunerada, e determina que o doador precisa ser voluntário. É a mesma coisa que preconiza a OMS”.
A hematologista também afirma que a PEC traz o risco de reduzir a quantidade de doadores de sangue, e a proposta de realizar a “coleta remunerada” de sangue poderia afetar a qualidade dos estoques sanguíneos. “Corre o risco de ter um doador menos qualificado, porque essa pessoa vai estar indo doar pelo dinheiro e não necessariamente vai se preocupar se está bem de saúde e se seu sangue pode provocar um malefício.”
“Essa PEC, na minha opinião, visa muito mais em atender ao mercado do que a população e o Sistema Único de Saúde. Fortalecendo a nossa indústria, tínhamos como produzir todos os nossos hemoderivados”, afirma.
Flávia conta que durante muito tempo também foi doadora de sangue até ser impedida de continuar devido a um problema de saúde. “Desde que eu comecei a faculdade de medicina, percebi que tinha muita gente que precisava de doação e que já havia dificuldade de conseguir doador”, conta.
Até hoje os bancos de sangue brasileiros sofrem com a falta de estoque. No Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde, apenas 1,8% da população é doadora de sangue, proporção abaixo dos 2% recomendado pela OMS. E não tem sido suficiente para atender todo o país.
A falta de doadores é um problema crônico e provoca desespero entre os profissionais da saúde, que precisam implorar para que a população vá aos hemocentros. Nas últimas semanas, o Hospital Pedro Ernesto avisou que os estoques do banco de sangue estão baixos e que está precisando de doadores.
Na Semana Nacional de Doação de Sangue, celebrada de 20 a 25 de novembro, o Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) está recebendo doações no próprio hospital, na Boulevard Vinte Oito de Setembro, número 77. Para doar é preciso ter entre 16 e 69 anos, pesar no mínimo 50kg, estar descansado e alimentado e apresentar documento original com foto.
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