Aluna da Uerj e bolsista do LED, ela morreu no último dia 19 de janeiro após uma cirurgia de coluna
Ana Cândida Fernandes Silva tinha um objetivo quando decidiu fazer vestibular para Jornalismo: queria contar as histórias de gente que, assim como ela, vivia as dificuldades e conquistas cotidianas de uma pessoa com deficiência. Ana usava cadeira de rodas, tinha limitação de movimentos nas pernas, nos braços e no tronco, além de dificuldades para falar. “Ela dizia que queria escrever sobre pessoas como ela. E lutar contra a rejeição, lutar por um país melhor para quem tinha algum tipo de deficiência”, lembra Maria da Penha Ferreira, tia e madrinha de Ana Cândida. Em setembro de 2021, a jovem passou no vestibular da Uerj e entrou na Faculdade de Comunicação Social.
Filha única de Luís Henrique e Maria de Lourdes Silva, Ana Cândida nasceu e cresceu em Colégio, na região de Irajá, zona norte do Rio. No Centro Educacional Pituiú, onde estudou, é lembrada como uma aluna que participava de todas as atividades. “Ela fazia dança, capoeira, estava sempre entre as mais estudiosas da turma”, conta a professora Patricia Ramos.
Ana Cândida ia para a Uerj de metrô, e uma prima ou alguém da família costumava levá-la até a estação de Colégio. Ao desembarcar na estação Maracanã, ela percorria sozinha o trajeto até a universidade e relatava problemas quase diários com trechos esburacados ou alagados. Na FCS, Ana Cândida solicitou e conseguiu a compra de mesas especiais nas quais a cadeira de rodas pudesse se encaixar. Os professores foram orientados a deixar as portas das salas entreabertas, para facilitar o acesso dela.
A diretora da FCS, Patrícia Miranda, conheceu Ana Cândida na véspera do primeiro dia de aula do retorno ao modelo presencial, em 2022. A aluna, acompanhada do pai, queria saber em que salas seriam ministradas as disciplinas em que estava inscrita naquele semestre, preocupada com a infraestrutura da faculdade para acolhê-la. “Eu e Edilson Marinho, servidor da secretaria, nos entreolhamos, na terrível certeza de que, como em toda a Uerj, a FCS não estava preparada para receber pessoas com deficiência, muito embora nos orgulhássemos de ser uma universidade inclusiva”, conta Patrícia. E segue: “A chegada da Ana Cândida nos abriu os olhos para a causa das pessoas com deficiência na universidade. A direção da FCS passou a reivindicar os direitos de Ana Cândida e acabou por comprar, isoladamente, as mesas de que ela necessitava. Acabei me tornando próxima da Ana Cândida, uma aluna que se preparava para ter uma linda carreira no jornalismo, que não se intimidava diante de suas limitações e que tinha muita coragem para viver em um mundo adverso a pessoas como ela. Ficamos muito abalados com sua morte tão precoce; em sua memória, a FCS vai se empenhar para que a Uerj possa fazer valer plenamente o direito das pessoas com deficiência.”
Desde o início do curso Ana Cândida se destacou como uma aluna muito inteligente, interessada e gentil. “Ela colocou a gente diante do capacitismo estrutural. Era muito dedicada, inteligente e supergentil. Foi uma das poucas alunas que no final do semestre escreveu um e-mail agradecendo pelas aulas”, recorda o professor Leandro Pimentel, da FCS.
Nas disciplinas de laboratório, Ana Cândida foi subeditora do Comunica Uerj e editora de Cultura do Rampas. Em 2023 tornou-se bolsista do LED (Laboratório de Editoração Eletrônica), escrevendo textos para várias agências do projeto. Fez reportagens sobre a falta de acessibilidade na Rio Innovation Week, a relevância da doação de sangue, projetos de arte e educação, entre tantas outras. Na última reunião de pauta da Agenc (Agência de Notícias Científicas), chegou com três sugestões de reportagens que gostaria de fazer – entre elas, uma sobre feminicídios no Rio de Janeiro, que se tornou seu último texto publicado.
A cada semestre, a cada aula, a cada trabalho, Ana Cândida mostrou coragem e dedicação. “Conversamos pela primeira vez no segundo período da faculdade. Ela me mandou uma mensagem pedindo para ficar na minha equipe, já que o grupo com o qual ela tinha conversado antes queria fazer um ‘teste’ para ver se ela conseguiria participar. Será que foi coincidência? Não tenho certeza”, conta a colega Lorrane Mendonça. A amizade seguiu.
Ana Cândida gostava de música, de se maquiar e ir a shows em companhia das amigas. Fã dos Beatles, assistiu à apresentação de Paul McCartney no Maracanã, no dia 16 de dezembro. “Especialmente durante o período presencial, após a chatice da pandemia, falávamos sobre todas as barbaridades que duas jovens de 20 anos poderiam conversar. Ana estará presente em cada livro que eu ler, nas músicas que ela me fez escutar e principalmente no meu coração”, afirma Lorrane.
Ana Cândida Fernandes Silva morreu no último dia 19 de janeiro, após uma cirurgia reparadora de coluna. Tinha 21 anos. Faria 22 no dia 4 de fevereiro. O sepultamento aconteceu no dia 21/01 no cemitério de Irajá, e a missa de sétimo dia, no dia 29/01, na Igreja Santa Bárbara, em Rocha Miranda. A Faculdade de Comunicação Social, seus professores e colegas lamentam a partida de Ana Cândida e se solidarizam com a família.
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